domingo, 10 de março de 2013

A Escolha de Nassau

"Era essa mais ou menos a situação do Brasil e da América, quando Nassau assumiu o governo. Todos o desejavam nesse posto, porque, prático na milícia européia, sob o Príncipe de Orange, reconquistara, com sua dedicação e diligência, o que antes dele ninguém conseguira, a praça de Schenken, a qual, situada no divórcio das águas do Reno, defende a Batávia.
 

Gozava ele por isso o favor público dos holandeses, acrescendo a esses títulos o lustre de sua família, ligada pelo sangue aos imperadores e por matrimônio aos reis, além da autoridade, da galhardia, da lealdade, da boa fortuna e de outras muitas virtudes e honras. Tudo isso exigia fosse ele arrastado sem detença ao comando supremo e não consultado em longas deliberações. Demais, ostentava ele no porte e no corpo a bizarria e gentileza não só própria de idade viril, mas também congruente na dignidade com a relevância do seu alto cargo. Para auxiliar os príncipes alemães, já antes participara, como cavaleiro, da expedição que, sob Frederico Henrique de Nassau, se mandara ao Palatinado contra o Marquês de Spinola.

Fora alferes e comandara como capitão uma companhia, subindo logo de posto, sob Ernesto, governador de Frísia, e depois sob o príncipe Maurício de Orange, stathouder de Holanda, Zelândia e Frísia. Sob S. A. o príncipe Frederico Henrique, já supremo defensor das Províncias-Unidas, celebrizou-se Nassau nos famosos assédios de Groel, Bois-le-Duc, Vanloe, Maestricht (onde sustentou e repeliu com valentia o ataque contra a sua posição feito por Pappenheim, general das forças imperiais) e de Rheinberg. Assim, depois de desempenhar, no Velho Mundo, todas as funções militares, viria exercer outras novas no Novo Mundo.


Acompanhava-o a opinião – era verdadeira – de que se lhe dava a província do Brasil, não por insinuação ou pedido seu, mas por ser dela julgado digno e capaz. A voz pública não errava, antes escolhia o melhor. E o que é mais para louvar, logrou ele, por suas virtudes, fosse a Companhia antes pedir de empréstimo um governador aos alemães que escolhê-lo entre os próprios holandeses. Os Estados-Gerais e o Príncipe de Orange ratificaram os poderes a ele conferidos pelos diretores da Companhia.

A princípio foi prometida ao Conde uma esquadra de trinta e duas naus para ele ir tentar fortuna no Novo Mundo. Entretanto os diretores, diminuindo a sua avidez de ousadias, convieram depois em doze, que levariam 2.700 soldados.

Para evitar uma delonga prejudicial, companheira das grandes empresas, Nassau, já disposto para os trabalhos e as fadigas, resolveu partir numa esquadra ainda desapercebida, como acontece de ordinário em tais circunstâncias, e com soldados mal aprestados, com os quais ia passar à América, em quatro navios somente.


No outono do ano da graça de 1636, zarpou ele do porto de Texel, com o pleno assentimento e a mais firme esperança de todas as classes sociais. O navio que conduziu o capitão-general tinha o nome de Zutphen. Os soldados não excediam 350, que mal o garantiriam contra os ataques dos espanhóis de Flandres e de Dunquerque.


À sua partida, foram dele despedir-se e levar-lhe os votos de felicidade e boa viagem os membros dos Estados-Gerais, o Príncipe de Orange, os diretores da Companhia e os cidadãos mais considerados, persuadidos de que iria ele dar um exemplo novo de felicidade e de sabedoria política e militar."

Gaspar Barléus
Rerum per Octenium in Brasilia...
Amsterdam, 1647