sexta-feira, 2 de novembro de 2018

Joaquim Nabuco Descreve o Recife


Servindo de cicerone ao escritor português Ramalho Ortigão, o abolicionista Joaquim Aurélio Barreto Nabuco faz uma apaixonada descrição da nossa terra no jornal O Paiz do Rio de Janeiro, N. 1151, edição de quarta-feira, 30 de novembro de 1887.

Voltando de Olinda, Ramalho Ortigão percorreu esta cidade, que é para elle, como para todos que a tem visitado, a mais bella do Brazil, e a sua impressão foi a mesma que tem o estrangeiro que aqui desembarca depois de ter estado no Rio e na Bahia. O que primeiro fere a vista no Recife é a limpeza da cidade, a brancura de toda ella.

Ve-se bem a cidade de um povo de rio, que vive n’agua, como o pernambucano. É um reflexo da Hollanda que brilha ainda aqui!

O Recife é com effeito uma Veneza, não pelos palácios de mármore do grande canal, que mostram, a meu ver, a mais bella phase da architectura da Renascença, não por essa praça de S. Marcos, que só tem uma rival no mundo, na praça da velha Pisa, com os quatro incomparáveis e solitários edifícios da sua gloria. O Recife não tem nada disso, mas como Veneza, é uma cidade que sahe d’agua e que nella se reflecte, é uma cidade que sente a palpitação do oceano no mais profundo dos seus recantos; como Veneza ella tem um ceo azul que parece lavado em suas aguas, como se lavam os navios de grandes nuvens brancas como toldos, como Veneza basta uma canção na agua e uma bandeira solta ao vento para dar-lhe um aspecto festivo e risonho, e por fim como Veneza, ella tem um passado que a corôa como uma aureola e que brilha ao luar sobre suas pontes, e as suas torres como a alma de uma nacionalidade morta!      

Melhor porem do que Veneza, os canaes do Recife são rios, a cidade sahe da agua doce e não da marezia das lagunas, o seu horizonte é amplo e descoberto, as sua pontes são compridas como terraços suspensos sobre a agua e o oceano vem se quebrar diante della em um lençol de espumas por sobre o extenso recife que a guarda, como uma trincheira, genuflexório imenso, onde o eterno aluidor da terra se ajoelhara ainda por séculos diante da graça frágil dos coqueiros!

Recife, novembro de 1887.