terça-feira, 19 de março de 2019

Visita aos Arrecifes

O engenheiro francês Louis-Léger Vauthier vem para o Recife em 1840 a convite do então Barão da Boa Vista, Francisco do Rego Barros, presidente da província de Pernambuco, para implementar obras no Recife e nas localidades vizinhas. Foi responsável pelo projeto e construção do Teatro de Santa Isabel, a ponte pênsil da Caxangá, projeto para distribuição de água potável e tratamento de águas servidas no Recife, do levantamento da planta da cidade, além de um mapa topográfico da província de Pernambuco.

Tendo partido do porto de Le Havre, França,  em 24 de julho de 1840, chegou ao Recife em 8 de setembro. No dia 7 de outubro o engenheiro Vauthier faz um passeio pelos arrecifes, assim descrito por ele em seu diário:

Visitei esta manhã o pequeno farol do Recife e o próprio recife. Fiz essa excursão num escaler¹ do Arsenal de Marinha, acompanhado pelo inspetor e pelo fiel² Acates.

Partimos às seis horas. Visitamos primeiro o farol – construído sem gosto e de forma pouco racional. Muito malconservado, data de 1817. Seu sistema de iluminação é constituído de 21 refletores parabólico, reunidos em três fileiras horizontais, sobre as três faces de um tronco de pirâmide triangular equilátera. Os sete refletores correspondentes a uma das faces tem do lado esquerdo vidros vermelhos. Os refletores de cada face são paralelos ao mesmo eixo e a luz é rotatória, movida de modo primitivo. O farol tem três luzes – duas brancas e uma vermelha.

Depois disso, percorri o recife. Em vários pontos, o mar agitado passava por cima da cadeia de rochedos. Desembarquei duas vezes, a princípio só com Monsieur Boulitreau³, depois uma segunda vez com o inspetor e alguns marinheiros. Da última vez, demos uns 400 passos pelo recife que, nessa parte, forma uma espécie da calçada lisa em sua superfície geral e tem cerca de 30 metros de largura. A massa do rochedo é de um grés4 fortemente aglutinado e muito fino. Em alguns lugares a superfície é irregular, em certos pontos, coberta de escassa vegetação marinha de textura mucilaginosa; em outros, há pequenas conchas – de forma especial, muito comuns nas costas da Bretanha – presas fortemente ao rochedo em que vivem.

Extraído do livro Pontes e Ideias de Claudia Poncioni, CEPE Editora

1 – escaler é um pequeno barco, ou bote, que serve para transporte de passageiros e/ou carga entre um navio e a praia ou porto e vice-versa.
2 – fiel é um antigo cargo da Intendência da Marinha.
3 – Pierre-Victor Bolitreau foi um engenheiro francês que veio com Vauthier para o Recife, tendo sido responsável por diversas obras. Depois tornou-se proprietário de um engenho de açúcar no Cabo de Santo Agostinho. Faleceu em 1882 no engenho São João.
4 – grés ou arenito é uma rocha sedimentar composta de grãos de areia unidos por material silicoso ou calcário.

sábado, 9 de março de 2019

A Ilha de Itamaracá


Itamaracá, 40 km ao norte do Recife, está registrada no início da história do Brasil, sendo colonizada a partir de 1516 pela construção do primeiro engenho de açúcar da América Portuguesa. Pero Capico, chegado na expedição de Cristovão Jaques, havia sido designado como capitão do litoral brasileiro pelo Alvará Régio de D. Manuel I. Outros portugueses teriam chegado à Ilha de Itamaracá por acaso devido a naufrágios na costa pernambucana.

O nome Itamaracá vem do Tupi-guarani e significa pedra que canta.  

O primeiro núcleo urbano da ilha estava localizado no alto de um lugar elevado, característica da colonização lusitana. Era a Vila de Nossa Senhora da Conceição, depois Vila Velha, na parte sul de Itamaracá e onde estava instalada a capela de Nossa Senhora da Conceição, que existe até hoje.

Em 1631 as tropas da WIC chegam até a ilha e constroem uma fortificação na extremidade sudeste de Itamaracá para controlar a entrada do Canal de Santa Cruz, que separa a ilha do continente, o Forte Orange, denominação em homenagem à Casa de Orange, da família real holandesa.

Apenas em 1633 os neerlandeses tomam a Vila Velha, denominando-a então de Vila Schkoppe, nome do comandante, o alemão Sigmund von Schkoppe. O Forte Orange é reforçado com artilharia.

Vários combates tiveram lugar na Ilha de Itamaracá, tendo sido aventada a possibilidade de transferência da capital do domínio neerlandês para aquele local devido à abundância de água potável e madeira. Da ilha partem ataques contra Igarassú e Goiana.

Em setembro de 1645, em prosseguimento à Insurreição Pernambucana, os luso-brasileiros atacam Itamaracá, mas são contidos pelos homens da WIC no local e por reforços vindos do Recife. Os insurretos recuam para Igarassu e depois seguem para a Várzea. Em abril de 1646 outra tentativa de expulsar os neerlandeses é fracassada, com muitas baixas nos insurretos. Em junho do mesmo ano os luso-brasileiros conseguem desembarcar 2.000 homens na ilha. Os holandeses abandonam a Vila Schkoppe e concentram-se no Forte Orange. Em julho, os invasores recebem reforços no Recife vindos da Europa e os insurretos abandonam Itamaracá temendo ataque pelos holandeses. Destroem as fortificações e levam os armamentos.

Em janeiro de 1654 os neerlandeses rendem-se no Recife, assinando um tratado em que devolviam todos os locais conquistados no Brasil.

O distrito de Itamaracá foi criado em 1866, tornando-se cidade em 1959, quando foi desmembrada de Igarassu.

quarta-feira, 6 de março de 2019

As Alagoas


Os registros históricos das terras das chamadas Alagoas vem de antes do descobrimento oficial do Brasil em 1500. As costas da região entre o Rio Una e o Rio São Francisco eram acessadas por navegantes europeus que mantinham contato com os índios Caetés em busca do pau brasil. O nome Alagoas era originário das duas lagoas costeiras que existem a meio caminho entre os dois rios citados antes. Chamam-se Mundaú e Manguaba, ricas em peixes e frutos do mar, inclusive o famoso sururu.

Com a implantação do sistema de Capitanias Hereditárias a região das Alagoas fazia parte da Capitania de Pernambuco, do donatário Duarte Coelho Pereira. A colonização teve início com a fundação de Penedo, cerca de 30 km do litoral, na margem esquerda do São Francisco. A região começou a produzir cana de açúcar e surgiram diversos engenhos. Também foram implantados currais de gado e lavouras de fumo. Quase tudo era levado para Olinda, Recife e arredores. Também importante foi a região de Porto Calvo, na zona da mata norte, com engenhos de açúcar, e que servia de pouso para viajantes com destino ao Rio São Francisco. No litoral, próximo às duas lagoas, estavam os portos de Jaraguá e do Francês.

Um fato que marcou Alagoas no século XVI foi a morte do bispo D. Pero Fernandes Sardinha em 1556. O navio em que o primeiro bispo do Brasil seguia de Salvador para Portugal naufragou no litoral da atual cidade de Coruripe e tendo conseguido chegar à praia, foi preso e depois devorado pelos índios Caetés. Em retaliação, os portugueses enviaram uma expedição sob comando de Jerônimo de Albuquerque que exterminou grande número dos indígenas daquela tribo.

Seguindo a invasão neerlandesa de 1630 o território alagoano foi palco de muitas lutas que destruíram plantações e engenhos de açúcar. Os principais focos das contendas foram Porto Calvo e Penedo, que trocaram de mão várias vezes. Os holandeses construíram fortes nas duas vilas e os luso-brasileiros foram empurrados para além do Rio São Francisco, tendo os homens da Companhia das Índias Ocidentais chegado até localidades de Serigipe d’El-Rey, hoje Sergipe, na margem oposta do grande rio.

Chegando a Penedo em 1637, o Conde Maurício de Nassau enxergava na região um grande potencial para a agricultura e pecuária, tendo escrito ao Príncipe de Orange, Frederik Hendrik, pedindo recursos humanos e materiais para colonizar aquelas localidades.

No século XVII nas terras das Alagoas também surgiu o Quilombo dos Palmares, na Serra da Barriga, hoje União dos Palmares. Reunia negros escravos fugidos de diversas localidades do Nordeste e que se organizaram em uma sociedade que cultivava diversas lavouras, além de praticar a caça, pesca e o artesanato, que trocavam por outros produtos com as comunidades vizinhas. Após um século de resistência aos ataques externos o Palmares foi conquistado em 1696 pelo bandeirante Domingos Jorge Velho, que matou o último chefe dos quilombolas, Zumbi. Sua cabeça foi levada ao Recife e exposta no Pátio do Carmo como exemplo de punição aos escravos.

A comarca de Alagoas foi criada pelo Ato Régio de 09 de outubro de 1710, sendo instalada no ano seguinte. Em 16 de setembro de 1817 ela foi desmembrada da capitania de Pernambuco em retaliação da Coroa pela Revolução Pernambucana daquele ano.