Servindo de cicerone ao
escritor português Ramalho Ortigão, o abolicionista Joaquim Aurélio Barreto
Nabuco faz uma apaixonada descrição da nossa terra no jornal O Paiz do Rio de Janeiro, N. 1151,
edição de quarta-feira, 30 de novembro de 1887.
Voltando de Olinda, Ramalho
Ortigão percorreu esta cidade, que é para elle, como para todos que a tem
visitado, a mais bella do Brazil, e a sua impressão foi a mesma que tem o
estrangeiro que aqui desembarca depois de ter estado no Rio e na Bahia. O que
primeiro fere a vista no Recife é a limpeza da cidade, a brancura de toda ella.
Ve-se bem a cidade de um
povo de rio, que vive n’agua, como o pernambucano. É um reflexo da Hollanda que
brilha ainda aqui!
O Recife é com effeito uma
Veneza, não pelos palácios de mármore do grande canal, que mostram, a meu ver,
a mais bella phase da architectura da Renascença, não por essa praça de S.
Marcos, que só tem uma rival no mundo, na praça da velha Pisa, com os quatro
incomparáveis e solitários edifícios da sua gloria. O Recife não tem nada
disso, mas como Veneza, é uma cidade que sahe d’agua e que nella se reflecte, é
uma cidade que sente a palpitação do oceano no mais profundo dos seus recantos;
como Veneza ella tem um ceo azul que parece lavado em suas aguas, como se lavam
os navios de grandes nuvens brancas como toldos, como Veneza basta uma canção
na agua e uma bandeira solta ao vento para dar-lhe um aspecto festivo e
risonho, e por fim como Veneza, ella tem um passado que a corôa como uma
aureola e que brilha ao luar sobre suas pontes, e as suas torres como a alma de
uma nacionalidade morta!
Melhor porem do que Veneza,
os canaes do Recife são rios, a cidade sahe da agua doce e não da marezia das
lagunas, o seu horizonte é amplo e descoberto, as sua pontes são compridas como
terraços suspensos sobre a agua e o oceano vem se quebrar diante della em um
lençol de espumas por sobre o extenso recife que a guarda, como uma trincheira,
genuflexório imenso, onde o eterno aluidor da terra se ajoelhara ainda por
séculos diante da graça frágil dos coqueiros!
Recife, novembro de
1887.
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