“Destes devem ser mais
devotos, e nestes se devem mais exercitar, acompanhando a Cristo neles, como
fez São João na sua Cruz. Mas, assim como entre todos os mistérios do Rosário
estes são os que mais propriamente pertencem aos pretos, assim entre todos os
pretos os que mais particularmente os devem imitar e meditar são os que servem
e trabalham nos engenhos, pela semelhança e rigor do mesmo trabalho.
Encarecendo o mesmo Redentor
o muito que padeceu em sua sagrada Paixão, que são os mistérios dolorosos,
compara as suas dores às penas do inferno: Dolores inferni circumdederunt me (As dores do
inferno me cercam). - E que coisa há na confusão deste mundo mais
semelhante ao inferno que qualquer destes vossos engenhos, e tanto mais quanto
de maior fábrica? Por isso foi tão bem recebida aquela breve e discreta
definição de quem chamou a um engenho de açúcar doce inferno.
E, verdadeiramente, quem vir
na escuridade da noite aquelas fornalhas tremendas perpetuamente ardentes; as
labaredas que estão saindo a borbotões de cada uma, pelas duas bocas ou ventas
por onde respiram o incêndio; os etíopes ou ciclopes banhados em suor, tão
negros como robustos, que soministram a grossa e dura matéria ao fogo, e os
forcados com que o revolvem e atiçam; as caldeiras, ou lagos ferventes, com os
cachões sempre batidos e rebatidos, já vomitando escumas, já exalando nuvens de
vapores mais de calor que de fumo, e tornando-os a chover para outra vez os
exalar; o ruído das rodas, das cadeias, da gente toda da cor da mesma noite,
trabalhando vivamente, e gemendo tudo ao mesmo tempo, sem momento de tréguas
nem de descanso; quem vir, enfim, toda a máquina e aparato confuso e estrondoso
daquela Babilônia, não poderá duvidar, ainda que tenha visto Etnas e Vesúvios,
que é uma semelhança de inferno.
Mas, se entre todo esse
ruído, as vozes que se ouvirem forem as do Rosário, orando e meditando os
mistérios dolorosos, todo esse inferno se converterá em paraíso, o ruído em
harmonia celestial, e os homens, posto que pretos, em anjos.”
Padre
Antônio Vieira
Sermão
XIV do Rosário, 1633
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