Todo bom recifense diz “o Recife” e não
“Recife”. Todo bom brasileiro de Pernambuco diz “o Recife” e não “Recife” como
diz “o Brasil” e não “Brasil”, “o Rio” e não “Rio”.
O recifense diz “chegar ao Recife”, “vir para
o Recife”, “sair do Recife”, “dentro do Recife”, “rumo ao Recife”, “voar sobre
o Recife”. Quando é outro o modo da pessoa se referir ao Recife, o recifense
conclui: é gente de fora.
O recifense está habituado a ver gente de
fora desde os mais velhos dias do Brasil. É claro que essa gente de fora nem
sempre tem sido gente amiga, mas, por vezes, corsária, pirata, conquistadora,
exploradora. Estrangeiros houve que saquearam o Recife: um deles o inglês
Lancaster, no século XVI. Outros que o dominaram, mudando-lhe o nome português
para “Maurícia” em holandês. Dos franceses, alguns quiseram assenhorear-se do
Recife.
O Recife é uma cidade sereia: tem encantos
anfíbios a que muita gente de fora vem sucumbindo. Encantos de suas águas de
mar a que se juntam as águas de rios. Encantos de suas frutas: dos seus cajus,
das suas mangas, dos seus sapotis, dos seus abacates. Encanto das suas areias
de praia e das sombras das suas árvores.
O maior dos seus conquistadores, o Conde Maurício
de Nassau, terminou conquistado por esses encantos. Tanto que há quem pense ter
sido sonho do ilustre alemão fundar no Brasil um principado, do qual o Recife
teria sido a capital. Nassau, nesse caso, aqui teria permanecido. Com que
resultado? Germanizando esta parte do Brasil? É pouco provável. É possível que ele,
Nassau, viesse a se abrasileirar de tal modo em recifense, que até cor morena
viesse a adquirir ao sol das praias do seu principado tropical. E o Brasil que
conquistou Nassau foi principalmente o Recife. O Recife intransigentemente o Recife e não um mole, passivo,
Recife.
Gilberto Freyre
O Recife, Sim!
Recife, Não!
1960
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