quinta-feira, 9 de abril de 2020

O Recife, Sim! Recife, Não!


Todo bom recifense diz “o Recife” e não “Recife”. Todo bom brasileiro de Pernambuco diz “o Recife” e não “Recife” como diz “o Brasil” e não “Brasil”, “o Rio” e não “Rio”.

O recifense diz “chegar ao Recife”, “vir para o Recife”, “sair do Recife”, “dentro do Recife”, “rumo ao Recife”, “voar sobre o Recife”. Quando é outro o modo da pessoa se referir ao Recife, o recifense conclui: é gente de fora.

O recifense está habituado a ver gente de fora desde os mais velhos dias do Brasil. É claro que essa gente de fora nem sempre tem sido gente amiga, mas, por vezes, corsária, pirata, conquistadora, exploradora. Estrangeiros houve que saquearam o Recife: um deles o inglês Lancaster, no século XVI. Outros que o dominaram, mudando-lhe o nome português para “Maurícia” em holandês. Dos franceses, alguns quiseram assenhorear-se do Recife.

O Recife é uma cidade sereia: tem encantos anfíbios a que muita gente de fora vem sucumbindo. Encantos de suas águas de mar a que se juntam as águas de rios. Encantos de suas frutas: dos seus cajus, das suas mangas, dos seus sapotis, dos seus abacates. Encanto das suas areias de praia e das sombras das suas árvores.

O maior dos seus conquistadores, o Conde Maurício de Nassau, terminou conquistado por esses encantos. Tanto que há quem pense ter sido sonho do ilustre alemão fundar no Brasil um principado, do qual o Recife teria sido a capital. Nassau, nesse caso, aqui teria permanecido. Com que resultado? Germanizando esta parte do Brasil? É pouco provável. É possível que ele, Nassau, viesse a se abrasileirar de tal modo em recifense, que até cor morena viesse a adquirir ao sol das praias do seu principado tropical. E o Brasil que conquistou Nassau foi principalmente o Recife. O Recife intransigentemente o Recife e não um mole, passivo, Recife.

Gilberto Freyre
O Recife, Sim! Recife, Não!
1960

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