terça-feira, 31 de março de 2020

As Duas Destruições de Olinda

Considerada a mais bela vila da América portuguesa, Olinda vivia em glória até que os mercenários da Companhia das Índias Ocidentais desembarcaram e tomaram suas praias e ladeiras em fevereiro de 1630.

Frei Manuel Calado do Salvador, em seu livro o Valeroso Lucideno apresenta o esplendor da capital do Pernambuco colonial: Era aquela república antes da chegada dos holandeses a mais deliciosa, próspera, abundante e não sei se me adiantarei muito se disser a mais rica de quantas ultramarinas o reino de Portugal tem debaixo de sua coroa e cetro. O ouro, a prata eram sem número e quase não se estimava; o açúcar tanto que não havia embarcações para o carregar.

Os invasores então se ocuparam em saquear toda aquela riqueza, se embebedando com o vinho que encontravam nas casas abandonadas, com as mesas repletas de comida, e por vezes também violadas pelos escravos negros repentinamente livres de seus senhores em fuga.

Ocupada a vila e o seu porto, o Recife, então apenas local de moradia de pescadores e marujos, as autoridades neerlandesas preocuparam-se em fortificar Olinda prevendo a ação dos luso-brasileiros para retomar seus domínios. Após a vistoria de militares e engenheiros, chegaram à conclusão de que seria inviável uma fortificação eficiente de todos os montes autodominantes que formavam o terreno. Ocupando uma elevação, esta poderia ser atacada pelo inimigo que ocupasse outra elevação próxima, e a WIC não poderia dispor de tantos soldados assim, pois precisava de todo seu efetivo para ampliar a conquista nas outras capitanias.

O comandante da expedição, almirante Hendrick Corneliszoon Lonck, escreve ao Conselho dos XIX, diretoria da WIC nos Países Baixos, pedindo permissão para abandonar Olinda, concentrando as tropas no Recife. O pedido é negado pois os Heeren XIX não podiam compreender porque se deveria abandonar a sede da capitania. Após diversas tentativas de convencer a WIC e os Estados Gerais da necessidade de concentrar esforços no Recife para poder atacar outros locais, o Príncipe Frederik Hendrik, autoriza aos seus comandantes que abandonem Olinda.

Em 17 de novembro de 1631 tem início a demolição dos prédios de Olinda e a retirada do material de construção, que era muito escasso, para o Recife. Em 24 de novembro a vila de Olinda é incendiada em vários pontos e quase totalmente arrasada. Segundo Duarte de Albuquerque Coelho, Olinda possuía 2.500 habitantes, quatro conventos, um colégio dos jesuítas e uma Casa de Misericórdia. Fica proibida qualquer nova construção na outrora bela vila.

Passados três séculos, a Marim dos Caetés é alvo de outro invasor, agora muito mais poderoso. As praias da região sul de Olinda, Milagres e Carmo, além das de São Francisco e do Farol, são fustigadas pelo avanço implacável do mar, que vai consumindo ruas e casas.

O primeiro registro da ação do mar em Olinda é de 1914, por conta das obras de ampliação do Porto do Recife iniciadas em 1909. A primeira rua a ser destruída na Praia dos Milagres foi a Rua do Nascente que ficava na beira mar, seguida pela Rua dos Milagres.

No início do século XX estava em voga a terapia pelos banhos salgados, a talassoterapia, e várias casas de veraneio e balneários (lojas de aluguel de roupas de banho) foram construídas onde havia apenas choupanas de pescadores e casebres. Tudo foi sendo irremediavelmente levado pelo mar.

Até o presidente Juscelino Kubitscheck veio a Olinda em 1955 para reunião com o prefeito Barreto Guimarães que solicitava verbas para as obras de contenção. Em 1960 o então deputado Josué de Castro fez pronunciamento no Congresso Nacional sobre o tema, falando das demandas de Barreto Guimarães para conseguir ajuda federal a fim de conter o avanço do mar e a destruição dos terrenos e prédios da cidade.

Foram contratados estudos aos Laboratórios Grenoble, França, para a definição das obras a serem executadas para a proteção da orla olindense. Determinou-se a construção de diques transversais às praias e outros paralelos, com blocos de granito. As obras tiveram início em 1956. Os diques conseguiram reduzir em muito o avanço do mar, mas acabaram com o acesso às praias dos Milagres, Carmo, São Francisco, do Farol e Bairro Novo, pela colocação das pedras. Sem a faixa de areia as praias tornaram-se quase que proibidas ao banho, pois as pessoas não mais conseguiam chegar ao mar.

Em 2010 novas obras de contenção, desta feita nas praias de Bairro Novo, Casa Caiada e Rio Doce, foram iniciadas em Olinda. Também foram anunciadas adequações para urbanização e paisagismo. Em 2019, estudos do pesquisador Luís Augusto de Gois, do Departamento de Geociências da UFPE, demonstraram que as obras de contenção da década de 1950 estão provocando erosão nas praias de Olinda.

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