quarta-feira, 14 de outubro de 2020

Francisco Augusto Pereira da Costa

Um homem do século XIX, mas que até hoje inspira aqueles que amam a história e a cultura de Pernambuco, Pereira da Costa nasceu no dia 16 de dezembro de 1851 em casa da Rua Ulhoa Cintra, antiga Rua Bela, no tradicional bairro de Santo Antônio, Recife.

Seu desejo era cursar Direito na prestigiada Faculdade de Direito do Recife, mas de família humilde, não tinha recursos para tanto. Foi trabalhar numa livraria na Rua do Imperador, no mesmo bairro onde nascera, e aí teve contato com os livros, os instrumentos de que nunca mais se separou. Naquele ambiente intelectual, também teve a oportunidade de conhecer pessoas e ideias que estavam na vanguarda do pensamento filosófico, político e cultural da sociedade pernambucana e brasileira da época, afinal, estávamos há apenas alguns anos das revoluções de 1817, 1824 e 1848. Além de usar o pouco que ganhava para conseguir os livros que desejava, também se associou ao Gabinete Português de Leitura, tendo acesso à sua imensa biblioteca. Em 1867 recebeu do próprio general Abreu e Lima um exemplar do seu livro Sinopse da História do Brasil.

Em 1871 Pereira da Costa consegue uma colocação na repartição de Obras Públicas, em seguida na Secretaria de Governo e depois na Câmara de Deputados. Com mais tempo para dedicar-se à pesquisa ele começa a publicar seus trabalhos, sendo o primeiro no Diário de Pernambuco em 5 de agosto de 1872. Ao mesmo tempo trabalhava como escriturário no Instituto Archeológico e Geographico Pernambucano, absorvendo ainda mais conhecimentos.

Como funcionário público, ele passou a ter o acesso facilitado aos arquivos de instituições governamentais e religiosas, onde pacientemente recolhia informações pormenorizadas sobre fatos e pessoas da nossa história. Pereira da Costa teve a oportunidade de acompanhar de perto o movimento abolicionista, com Joaquim Nabuco, Castro Alves, José Mariano e Tobias Barreto.

Finalmente em 1876, o grande recifense foi admitido como sócio do Instituto Archeológico, tendo seu discurso de posse como tema: Maurício de Nassau e a Presença Holandesa em Pernambuco. Esse assunto foi bastante estudado e publicado por Pereira da Costa no Jornal do Recife e principalmente na Revista do Instituto Archeológico. Em 1887 passou a ser sócio benemérito do Instituto, onde permaneceu como ativo colaborador por 47 anos, até sua morte, quando foi promovida uma sessão fúnebre em sua memória. Alguns de seus trabalhos inéditos foram publicados na RIAHGP por vários anos após seu falecimento.

Em 1884 Pereira da Costa é convidado pelo presidente da então província do Piauí para fazer um levantamento completo dos recursos naturais, humanos e de infraestrutura da província, cujo resultado foi publicado em 1885.

No campo da política, Pereira da Costa foi conselheiro municipal do Recife e deputado estadual por sete mandatos. Defendeu a devolução à Pernambuco do território da Comarca do Sertão, nas margens do Rio São Francisco e propôs a mudança do brasão de armas de Pernambuco e de sua bandeira em 1911.

Francisco Augusto Pereira da Costa faleceu em 21 de novembro de 1923, apesar de seu enorme prestígio, tendo recebido premiações no Brasil e no exterior, ainda como pessoa de poucas posses e morando em casa alugada em Afogados, onde morreu.

Pesquisador extremamente dedicado, seus trabalhos mais importantes são: Dicionário Biográfico de Pernambucanos Célebres (1882), Folk-Lore Pernambucano (1908), Anais Pernambucanos (1951), Vocabulário Pernambucano (1976) e Arredores do Recife (1981). Anais Pernambucanos, publicado após sua morte, foi sua obra máxima com cerca de 5.000 páginas contando a história de Pernambuco de 1493 a 1850. 

O escritor, jornalista e historiador recifense Manuel de Oliveira Lima o chamava de “o mestre de todos nós”. Pereira da Costa foi membro fundador da Academia Pernambucana de Letras onde ocupava a cadeira n° 9.

domingo, 3 de maio de 2020

Gilberto de Mello Freyre

Como o próprio Mestre de Apipucos costumava dizer, sua vocação máxima era a de escritor.

Nascido no Recife em 15 de março de 1900, Gilberto Freyre estudou no então Collegio Americano Girealth, hoje Colégio Americano Batista. Seguiu então para a Universidade Baylor, Texas, onde graduou-se em Ciências Políticas e Sociais. Pós-graduou-se em Ciências Políticas, Jurídicas e Sociais na Universidade de Columbia . Travou contato na América com juristas, economistas, antropólogos, sociólogos, poetas e filósofos americanos e europeus.

Na Europa, Freyre esteve na França, Inglaterra, Alemanha e Portugal, conhecendo museus e participando de diversos cursos, principalmente na área de sociologia. Recusou cátedras nas universidades de Yale, Harvard, Princeton e Berlin para dedicar-se ao prazer de escrever, apesar de já ter lecionado em Stanford, Michigan, Indiana e Virginia. Proferiu conferências e dirigiu seminários em todos os grandes centros acadêmicos da Europa, Estados Unidos e até em Goa, na Índia. Em 1935 foi designado professor extraordinário de sociologia na Faculdade de Direito do Recife e, no mesmo ano, inaugurou as cátedras de Sociologia, Antropologia Social e Cultural e Pesquisa Social na Universidade do Distrito Federal, então no Rio de Janeiro.

Foi membro de inúmeras sociedades e academias internacionais e nacionais de filosofia, sociologia e antropologia, inclusive do Instituto Arqueológico, Histórico e Geográfico Pernambucano e do Instituto Histórico e Geográfico Brasileiro. Recebeu vários prêmios e láureas das mais conceituadas universidades e de países do mundo inteiro. Na política, foi deputado por Pernambuco de 1946 até 1950, membro da Comissão de Educação e Cultura da Câmara Federal, tendo representado o Brasil na Assembleia Geral da ONU em 1949.

Em 1947 idealiza o Instituto Joaquim Nabuco de Pesquisas Sociais, hoje Fundação Joaquim Nabuco – FUNDAJ, que foi fundado dois anos depois, em comemoração ao centenário de nascimento do grande abolicionista recifense, e está instalado na Av. 17 de Agosto, em Apipucos, Recife. Atualmente, estão vinculados à FUNDAJ o Museu do Homem do Nordeste, a Biblioteca Central Blanche Knopf e o Centro Cultural Engenho Massangana, dentre outros centros de pesquisa e cultura.

Seus livros foram traduzidos até para as línguas mais distantes de nós como o iugoslavo, sueco, norueguês e japonês. Desde Casa Grande & Senzala de 1933, seu mais aclamado trabalho literário, Gilberto Freyre escreveu: Guia Prático, Histórico e Sentimental da Cidade do Recife (1934), deliciosa declaração de amor à sua cidade natal; Sobrados e Mucambos (1936); Nordeste (1937); Açúcar (1939), com receitas da culinária da cultura canavieira nordestina; Olinda – 2° Guia Prático, Histórico e Sentimental de Cidade Brasileira (1939); Assombrações do Recife Velho (1955) e New World in the Tropics (1959), entre dezenas de outros títulos, sem contar com os artigos acadêmicos e ensaios de sua autoria.

Foi diretor do jornal A Província do Recife, e depois do Diário de Pernambuco por pouco tempo. Foi colaborador das revistas O Cruzeiro (brasileira), The American Scholar e Foreign Affairs (americanas), The Listener e Progress (inglesas), Diogène e Cahiers d’Histoire Mondiale (francesas), Kiklos (suíça) e Kontinent (austríaca).

Considerado mundialmente como um dos mais importantes sociólogos do século passado, Gilberto Freyre reunia o imenso saber cientifico com um amor genuíno pela cultura popular, sendo muitas vezes olhado enviesado pelos acadêmicos puristas e defensores dos padrões tradicionais da sociedade. Recebeu as mais importantes comendas como a Ordem do Império Britânico e a Ordem da Legião de Honra da França, além de ter ocupado a cadeira 23 da mais do que centenária Academia Pernambucana de Letras.


Freyre combatia a tendência até então vigente de tornar europeia a cultura brasileira, que tentava esconder as nossas raízes também indígenas e africanas. Ressaltava a enorme influência portuguesa na América, África e Oriente, criando até um ramo de estudos que denominou Lusotropicologia, mas defendia e demonstrava que a nossa sociedade era uma massa bem misturada dos índios, europeus, africanos e em menor proporção de outros povos do mundo inteiro. 

sábado, 18 de abril de 2020

Pernambuco Segundo Barleus

“Para elucidar a presente história dos feitos praticados e a dos que de futuro se praticarem nesta província será de vantagem indicar-lhes sucintamente a posição e os lugares, sobretudo por ser ali a residência tão luzida do Conde, sede do Conselho Político e do Supremo e a principal e mais freqüentada estação naval.

Pernambuco é uma das maiores colônias do Brasil, pois tem de costa, entre a foz do S. Francisco e a capitania de Itamaracá, 60 léguas. É propriedade do português Duarte de Albuquerque, em cujo nome a governava seu irmão Matias de Albuquerque, o qual viera para Olinda pouco antes de a tomarem os nossos. São onze as vilas e povoações habitadas por lusitanos. A primeira é a capital Olinda, à beira-mar, notável por belos edifícios e templos. O sítio, por amor das colinas que ela abrange no seu perímetro, é assaz acidentado, de sorte que dificilmente o poderia munir a indústria humana.

A segunda vila, antes povoação do que vila, é Iguaraçu mais distante do litoral, em frente a Itamaracá e a 5 léguas de Olinda. Habitaram-na outrora portugueses de condição mais humilde, que viviam das artes mecânicas. Caindo, porém, Olinda em nosso poder, até os seus mais opulentos moradores passaram para Iguaraçu. Tomaram-na os nossos a 1º de maio de 1632, incendiando-a e saqueando-a.

A terceira vila é o já mencionado Recife.

A quarta é Muribeca, mais no sertão e mais para o sul, a 5 léguas do Recife.

A quinta é Sto. Antônio, a 7 ou 8 léguas do Recife, no sul, perto do Cabo de Sto. Agostinho.

A sexta é S. Miguel de Ipojuca, muito populosa, a 10 léguas do Recife. Tem 13 engenhos, que produzem anualmente grande quantidade de açúcar. Está situada às margens do rio do mesmo nome, o qual entra no mar junto ao lado meridional do Cabo de Sto. Agostinho.

A sétima é a povoação de Serinhaém, muito ampla e amena. Possui 12 engenhos, produzindo cada um seis ou sete mil arrobas de açúcar (1 arroba pesa 27 ou 28 libras nossas). Dista 13 léguas do Recife.

A oitava é S. Gonçalo do Una, a 20 léguas do Recife, com 5 engenhos.

A nona é Porto Calvo, a 25 léguas do Recife, tendo 7 a 8 engenhos. Aí fica a fortaleza da Povoação, célebre pela vitória de Maurício.

A décima é a povoação de Alagoas do Norte, a 40 léguas do Recife. A undécima é Alagoas do Sul, distante quase outras tantas.

Além destas localidades, há outras menores chamadas aldeias, onde vivem os índios.”


Gaspar Barleus, 1647, Amsterdam

HISTÓRIA DOS FEITOS RECENTEMENTE PRATICADOS
DURANTE OITO ANOS NO BRASIL E NOUTRAS PARTES
SOB O GOVERNO DO ILUSTRÍSSIMO JOÃO MAURÍCIO
CONDE DE NASSAU, ETC., ORA GOVERNADOR DE
WESEL, TENENTE-GENERAL DE CAVALARIA DAS
PROVÍNCIAS-UNIDAS SOB O PRÍNCIPE DE ORANGE

quinta-feira, 9 de abril de 2020

O Recife, Sim! Recife, Não!


Todo bom recifense diz “o Recife” e não “Recife”. Todo bom brasileiro de Pernambuco diz “o Recife” e não “Recife” como diz “o Brasil” e não “Brasil”, “o Rio” e não “Rio”.

O recifense diz “chegar ao Recife”, “vir para o Recife”, “sair do Recife”, “dentro do Recife”, “rumo ao Recife”, “voar sobre o Recife”. Quando é outro o modo da pessoa se referir ao Recife, o recifense conclui: é gente de fora.

O recifense está habituado a ver gente de fora desde os mais velhos dias do Brasil. É claro que essa gente de fora nem sempre tem sido gente amiga, mas, por vezes, corsária, pirata, conquistadora, exploradora. Estrangeiros houve que saquearam o Recife: um deles o inglês Lancaster, no século XVI. Outros que o dominaram, mudando-lhe o nome português para “Maurícia” em holandês. Dos franceses, alguns quiseram assenhorear-se do Recife.

O Recife é uma cidade sereia: tem encantos anfíbios a que muita gente de fora vem sucumbindo. Encantos de suas águas de mar a que se juntam as águas de rios. Encantos de suas frutas: dos seus cajus, das suas mangas, dos seus sapotis, dos seus abacates. Encanto das suas areias de praia e das sombras das suas árvores.

O maior dos seus conquistadores, o Conde Maurício de Nassau, terminou conquistado por esses encantos. Tanto que há quem pense ter sido sonho do ilustre alemão fundar no Brasil um principado, do qual o Recife teria sido a capital. Nassau, nesse caso, aqui teria permanecido. Com que resultado? Germanizando esta parte do Brasil? É pouco provável. É possível que ele, Nassau, viesse a se abrasileirar de tal modo em recifense, que até cor morena viesse a adquirir ao sol das praias do seu principado tropical. E o Brasil que conquistou Nassau foi principalmente o Recife. O Recife intransigentemente o Recife e não um mole, passivo, Recife.

Gilberto Freyre
O Recife, Sim! Recife, Não!
1960

segunda-feira, 6 de abril de 2020

O Arraial Novo do Bom Jesus


Após a invasão das tropas da Companhia das Índias Ocidentais a Pernambuco, Matias de Albuquerque tenta conter os invasores, primeiro em Olinda, no Rio Doce, e depois no Recife, mas consegue apenas atrasar o avanço inimigo. Dominados Olinda e sem meios para defender o porto, Recife, o comandante olindense manda queimar os armazéns de açúcar e afundar um navio para bloquear a entrada do porto, mas por fim, os neerlandeses, com efetivos e material bélico superiores, conquistam tudo.

Para centralizar a resistência e coordenar a guerra de emboscadas às tropas da WIC, Matias de Albuquerque constrói uma fortificação na propriedade de Antônio de Abreu, ao noroeste do Recife e próximo ao Rio Capibaribe, que passaria a ser chamada de Forte Real do Bom Jesus ou Arraial do Bom Jesus. Durante cinco anos esse bastião foi arregimentando moradores e combatentes que atacavam os destacamentos neerlandeses, principalmente os que se aventuravam fora dos fortes do Recife em busca de alimentos. No entanto, após um cerco de três meses e três dias, em 08 de junho de 1635, sem mais nenhum mantimento ou munição, o Arraial do Bom Jesus cai para as tropas do coronel Chrestofle Arciszewski. Na sequencia, os invasores conquistam o Forte de Nazaré, no Cabo de Santo Agostinho, ficando senhores dos principais pontos fortificados do Rio Grande ao centro sul de Pernambuco.

Dez anos depois, tem início a Insurreição Pernambucana para a expulsão dos holandeses do Nordeste brasileiro.  Em setembro de 1645 começa, no antigo Engenho São Tomé, depois Rotterdam, uma légua a oeste do Recife, a construção do Arraial Novo do Bom Jesus, sob a orientação do mestre de campo Dirck van Hoogstraten. Recebe oito canhões de bronze conquistados aos holandeses no Forte de Bom Sucesso do Porto Calvo. A fortificação de terra batida será concluída em cerca de três meses.

Em 07 de outubro de 1645 João Fernandes Vieira é aclamado governador de Pernambuco e comandante do exército de libertação, pelos membros mais importantes da capitania, no Arraial Novo. Essa tomada de decisão não foi submetida às autoridades do Governo Geral de Salvador nem ao Rei de Portugal. Ao raiar do dia 01 de janeiro de 1646 a artilharia do Novo Forte do Bom Jesus se fez ouvir no Recife. Em fevereiro do ano seguinte o almirante Jean Cornelis Lichthardt escreve relatório aos Estados Gerais dando conta da construção de um forte no engenho de Willem Bierboom, a uma légua do Recife.

Um ano depois, 20 de fevereiro de 1647, representantes de Olinda, Igarassu, Goiana, Sirinhaém e Paraíba, reunidos no Arraial Novo, mandam carta ao Rei D. João IV pedindo o envio de tropas para ajudar na guerra contra os holandeses e comprometendo-se a custear as despesas com tudo necessário para a libertação do Brasil dos invasores. Lembram que a luta dos portugueses contra os espanhóis para a confirmação da separação da Coroa Portuguesa da Espanha estava num estágio que permitia a liberação de parte do contingente para o Brasil.

Em 1648 tem lugar a primeira batalha dos Guararapes, inicio do fim da dominação holandesa no Brasil. No dia 16 de abril daquele ano, o mestre de campo general Francisco Barreto de Menezes, estacionado no Arraial Novo do Bom Jesus com suas tropas, recebe do governador-geral, Antônio Teles de Meneses, a confirmação de seu cargo de governador e comandante das tropas em Pernambuco.

Na noite do dia seguinte o coronel alemão Sigmund von Schkoppe desloca 4.500 homens das tropas da WIC do Recife, além de 300 índios Tapuias, marinheiros e os componentes do trem de guerra, até o Forte Prins Willem em Afogados. No mês anterior havia chegado ao Recife um comboio procedente da Holanda com 6.000 combatentes para romper o cerco imposto ao Recife pelos insurretos luso-brasileiros. O objetivo de Von Schkoppe é atacar Muribeca, cerca de três léguas ao sul do Recife e centro abastecedor de mantimentos do Arraial Novo do Bom Jesus. Deveriam também bloquear o acesso por terra ao Cabo de Santo Agostinho e seu porto.

Informado das manobras dos holandeses, o mestre de campo general Barreto de Meneses imagina que o ataque seria direcionado ao Arraial Novo do Bom Jesus, mas na tarde do dia 18 o veterano sargento-mor Antônio Dias Cardoso chega ao Arraial informando da direção da marcha dos holandeses. Barreto de Meneses convoca um conselho de guerra para decidir a linha de ação. Passa o comando da operação a Fernandes Vieira e Vidal de Negreiros muito mais experientes na região.

No dia 19 de abril de 1648 tem lugar a 1ª Batalha dos Guararapes nos montes de mesmo nome, onde um efetivo da WIC três vezes maior foi batido pelos luso-brasileiros. O coronel Schkoppe, gravemente ferido numa das pernas no início da luta, retorna ao Recife. Morreram no combate, além dos tenentes-coronéis neerlandeses Van Haus e Keerveer, cerca de 500 homens com mais 500 feridos. Pelos luso-brasileiros as baixas foram de 80 mortos e 400 feridos. Dentre os feridos, morre um mês depois no Arraial Novo, o mestre de campo Antônio Felipe Camarão (Poti), em consequência de ferimentos recebidos nos Guararapes. Pelos seus serviços na luta contra os holandeses havia recebido os títulos de Dom, Comendador da Ordem de Cristo e Governador-Geral dos Índios do Brasil. Foi enterrado inicialmente numa capela no próprio Arraial, e depois trasladado para a Igreja de Nossa Senhora do Rosário, na Várzea.

Menos de um ano depois, 19 de fevereiro de 1649, ocorre a 2ª Batalha dos Guararapes nos mesmos morros do primeiro confronto. O exército da WIC, agora sob as ordens do coronel Johan van den Brinck, já que Schkoppe ainda convalescia do ferimento da última batalha, sai do Recife na noite do dia 17 e na tarde do dia seguinte ocupam posições nas partes altas dos Montes Guararapes. Por volta das 10h00 do dia 18 os luso-brasileiros no Arraial Novo tomam conhecimento da marcha dos mercenários da WIC. Posteriormente sabendo da direção da expedição aos Guararapes, o conselho de guerra resolve enfrentar os inimigos.

Os 2.600 homens do mestre de campo general Barreto de Menezes, saindo do Arraial Novo do Bom Jesus em marcha batida chegam ao cair da noite e ocupam o sopé noroeste. Os neerlandeses permanecem durante toda manhã do dia 19 em suas posições no alto dos montes, sofrendo com o forte calor e a falta d’água. O conselho de guerra decide abandonar o plano de atingir a Muribeca e que voltariam ao Recife. Às 15h00 os holandeses começam a descer os montes e a artilharia neerlandesa ataca os insurretos, mas é contida. Ao tentarem sair dos morros as formações da WIC são atacadas e procuram resistir, mas são batidas e fogem em confusão, sendo perseguidas pelas tropas luso-brasileiras.

Os holandeses deixam para trás grande quantidade de armas e equipamentos, inclusive sua artilharia. Entre os mortos do lado da WIC estão o coronel Van den Brinck e o vice-almirante Giesseling, num total de 1.500 baixas entre mortos e feridos. Nas tropas luso-brasileiras houve cerca de 100 mortos e 450 feridos.

Em janeiro de 1654, após apertado cerco ao Recife e Mauritsstad, os neerlandeses se rendem às forças luso-brasileiras. Com o final do conflito o Arraial Novo do Bom Jesus é desativado.  

Segundo o arqueólogo Marcos Albuquerque, o Forte Novo do Bom Jesus é uma das poucas fortificações em terra construídas no Brasil, cujos resquícios ainda se encontram aparentes. Está localizado na Av. do Forte, bairro do Cordeiro, e pode ser observado um obelisco de granito implantado pelo Instituto Arqueológico, Histórico e Geográfico Pernambucano em 1872, em sua parte mais elevada.

terça-feira, 31 de março de 2020

As Duas Destruições de Olinda

Considerada a mais bela vila da América portuguesa, Olinda vivia em glória até que os mercenários da Companhia das Índias Ocidentais desembarcaram e tomaram suas praias e ladeiras em fevereiro de 1630.

Frei Manuel Calado do Salvador, em seu livro o Valeroso Lucideno apresenta o esplendor da capital do Pernambuco colonial: Era aquela república antes da chegada dos holandeses a mais deliciosa, próspera, abundante e não sei se me adiantarei muito se disser a mais rica de quantas ultramarinas o reino de Portugal tem debaixo de sua coroa e cetro. O ouro, a prata eram sem número e quase não se estimava; o açúcar tanto que não havia embarcações para o carregar.

Os invasores então se ocuparam em saquear toda aquela riqueza, se embebedando com o vinho que encontravam nas casas abandonadas, com as mesas repletas de comida, e por vezes também violadas pelos escravos negros repentinamente livres de seus senhores em fuga.

Ocupada a vila e o seu porto, o Recife, então apenas local de moradia de pescadores e marujos, as autoridades neerlandesas preocuparam-se em fortificar Olinda prevendo a ação dos luso-brasileiros para retomar seus domínios. Após a vistoria de militares e engenheiros, chegaram à conclusão de que seria inviável uma fortificação eficiente de todos os montes autodominantes que formavam o terreno. Ocupando uma elevação, esta poderia ser atacada pelo inimigo que ocupasse outra elevação próxima, e a WIC não poderia dispor de tantos soldados assim, pois precisava de todo seu efetivo para ampliar a conquista nas outras capitanias.

O comandante da expedição, almirante Hendrick Corneliszoon Lonck, escreve ao Conselho dos XIX, diretoria da WIC nos Países Baixos, pedindo permissão para abandonar Olinda, concentrando as tropas no Recife. O pedido é negado pois os Heeren XIX não podiam compreender porque se deveria abandonar a sede da capitania. Após diversas tentativas de convencer a WIC e os Estados Gerais da necessidade de concentrar esforços no Recife para poder atacar outros locais, o Príncipe Frederik Hendrik, autoriza aos seus comandantes que abandonem Olinda.

Em 17 de novembro de 1631 tem início a demolição dos prédios de Olinda e a retirada do material de construção, que era muito escasso, para o Recife. Em 24 de novembro a vila de Olinda é incendiada em vários pontos e quase totalmente arrasada. Segundo Duarte de Albuquerque Coelho, Olinda possuía 2.500 habitantes, quatro conventos, um colégio dos jesuítas e uma Casa de Misericórdia. Fica proibida qualquer nova construção na outrora bela vila.

Passados três séculos, a Marim dos Caetés é alvo de outro invasor, agora muito mais poderoso. As praias da região sul de Olinda, Milagres e Carmo, além das de São Francisco e do Farol, são fustigadas pelo avanço implacável do mar, que vai consumindo ruas e casas.

O primeiro registro da ação do mar em Olinda é de 1914, por conta das obras de ampliação do Porto do Recife iniciadas em 1909. A primeira rua a ser destruída na Praia dos Milagres foi a Rua do Nascente que ficava na beira mar, seguida pela Rua dos Milagres.

No início do século XX estava em voga a terapia pelos banhos salgados, a talassoterapia, e várias casas de veraneio e balneários (lojas de aluguel de roupas de banho) foram construídas onde havia apenas choupanas de pescadores e casebres. Tudo foi sendo irremediavelmente levado pelo mar.

Até o presidente Juscelino Kubitscheck veio a Olinda em 1955 para reunião com o prefeito Barreto Guimarães que solicitava verbas para as obras de contenção. Em 1960 o então deputado Josué de Castro fez pronunciamento no Congresso Nacional sobre o tema, falando das demandas de Barreto Guimarães para conseguir ajuda federal a fim de conter o avanço do mar e a destruição dos terrenos e prédios da cidade.

Foram contratados estudos aos Laboratórios Grenoble, França, para a definição das obras a serem executadas para a proteção da orla olindense. Determinou-se a construção de diques transversais às praias e outros paralelos, com blocos de granito. As obras tiveram início em 1956. Os diques conseguiram reduzir em muito o avanço do mar, mas acabaram com o acesso às praias dos Milagres, Carmo, São Francisco, do Farol e Bairro Novo, pela colocação das pedras. Sem a faixa de areia as praias tornaram-se quase que proibidas ao banho, pois as pessoas não mais conseguiam chegar ao mar.

Em 2010 novas obras de contenção, desta feita nas praias de Bairro Novo, Casa Caiada e Rio Doce, foram iniciadas em Olinda. Também foram anunciadas adequações para urbanização e paisagismo. Em 2019, estudos do pesquisador Luís Augusto de Gois, do Departamento de Geociências da UFPE, demonstraram que as obras de contenção da década de 1950 estão provocando erosão nas praias de Olinda.

sexta-feira, 7 de fevereiro de 2020

Arciszewski – Um Polonês no Brasil Holandês

A Nova Holanda e em particular o Recife eram uma verdadeira Babel das Américas. Gente de toda a Europa e África, além dos portugueses, espanhóis e índios andavam pela Mauritsstad em busca da riqueza do açúcar e pau-brasil, ou nas fileiras do exército e escritórios da Companhia das Índias Ocidentais.

Integrando o quadro de oficiais da WIC, chegou à Pernambuco em 1630, junto com a força de invasão, o nobre polonês Krzysztof Arciszewski, nascido na cidade de Rogalin em 6 de dezembro de 1592. Ele havia sido banido do seu país chegando à Holanda em março de 1624 após ter matado um advogado que extorquia sua família na Polônia. Ingressando no exército das Províncias Unidas em agosto do mesmo ano, durante cinco anos participou de diversas batalhas contra as tropas espanholas e seus aliados na Europa. 

Arciszewski chegou ao Brasil com a patente de capitão, juntamente com outro oficial da mesma patente, o alemão Sigmund von Schkoppe. O polonês toma parte em diversas importantes batalhas como a conquista da Ilha de Itamaracá. Em 1633 retorna à Europa após o final do seu contrato de três anos com a WIC, já no posto de sargento-mor (major).

Em 9 de agosto de 1634 o nobre polonês volta ao Brasil Holandês, agora como coronel do Conselho Militar da WIC na conquista. Sem concordar com a nomeação de Arciszewski, o coronel Sigmund von Schkoppe pede seu desligamento do exército neerlandês e sua volta para a Europa. Os conselheiros da Companhia das Índias Ocidentais no Recife o convencem a permanecer devido à sua experiência na guerra brasílica, dividindo o comando com o coronel polonês. Neste mesmo ano Arciszewski participa de combates no interior da Paraíba e Rio Grande, conquistando os fortes da foz do Rio Paraíba em dezembro, após um mês de duros combates com as forças luso-brasileiras, tomando inclusive a vila de Filipéia de Nossa Senhora das Neves, atual João Pessoa, que passa a ser denominada Frederikstadt em homenagem ao Príncipe de Orange, Frederik Hendrik.

Arciszewski redige o acordo de rendição dos moradores da Paraíba garantindo inclusive a liberdade de religião, baseado no Regimento do Governo das Praças Conquistadas ou que Forem Conquistadas nas Índias Ocidentais, documento com 69 artigos aprovado pelo Conselho dos XIX da WIC.

As tropas comandadas por Krzysztof Arciszewski seguem então para Pernambuco para conquistar o maior bastião português que ainda resistia aos invasores neerlandeses, o Arraial do Bom Jesus, que havia sido construído por determinação de Matias de Albuquerque logo após a invasão, no atual bairro de Casa Amarela, Recife.

O Arraial ou Forte Real do Bom Jesus já estava sob cerco dos mercenários da WIC desde abril de 1635. O cerco vai ficando cada vez mais apertado até que as tropas de Arciszewski rendem os defensores do forte em 08 de junho. No Arraial não havia mais nenhum alimento nem munição, tendo sido consumidos até os animais domésticos e ratos. Ao ser recebida na Holanda a notícia da conquista do forte, a WIC manda cunhar uma medalha comemorativa com a efígie do coronel Arciszewski e uma vista do Arraial.

O próximo passo dos neerlandeses é apoderarem-se do sul da capitania de Pernambuco. Arciszewski leva seus homens para o Cabo de Santo Agostinho, Ipojuca e daí para Vila Formosa, hoje Sirinhaém. Próximo de Barra Grande, litoral norte de Alagoas, as tropas de Arciszewski se encontram com as de Von Schkoppe. Todo o efetivo da WIC na região está em perseguição a uma coluna de oito mil pessoas comandada por Matias de Albuquerque com retirantes do Bom Jesus e de todo sul pernambucano com destino à Bahia.

Passando por Porto Calvo as tropas neerlandesas seguem em direção ao sul de Alagoas. Enquanto isso, uma esquadra luso-espanhola de D. Rodrigo Lobo e D. Lope de Hoces y Córdoba, com 30 navios e 1.700 soldados sob comando do mestre de campo general espanhol D. Luiz de Rojas y Borjas aparece no litoral do Recife e segue para o sul, ancorando em Ponta de Jaraguá, onde hoje se situa o porto de Maceió. D. Rojas y Borjas vem substituir Matias de Albuquerque como comandante do exército luso-brasileiro.

Os homens de Rojas y Borjas seguem para Porto Calvo, assim como as tropas da WIC ao saberem das manobras inimigas. Os exércitos se enfrentam a cinco quilômetros ao sul de Porto Calvo em Mata Redonda. Após dois dias de ferozes combates as tropas de Borjas fogem para Porto Calvo, tendo o mestre de campo general sido morto na batalha.

Em janeiro de 1637 chega ao Recife, Maurício, o Conde Nassau, na condição de Governador e Capitão Geral de Terra e Mar. Depois de poucos dias, Nassau decide atacar as forças luso-brasileiras então alojadas em Porto Calvo sob o comando do general napolitano Giovanni Vicenzo de Sanfelice, Conde de Bagnuolo. Nassau e Von Schkoppe seguem com suas tropas por terra, enquanto Arciszewski leva seu efetivo por mar.

Dia 18 de fevereiro tem início a batalha pela posse de Porto Calvo. Não suportando o assédio neerlandês o Conde de Bagnuolo decide seguir para Alagoa do Sul com pequena tropa e os moradores locais. Em 07 de março os defensores do forte de Porto Calvo se rendem às tropas do Conde de Nassau.

Insatisfeito com a chegada de Maurício de Nassau como comandante supremo no Brasil, Krzysztof Arciszewski retorna à Europa, deixando um relatório denominado Memórias, sobre seus feitos militares e a administração da Nova Holanda. Ao chegar na Holanda ele também entrega uma cópia dessas Memórias aos Estados Gerais em Haia.

Arciszewski sempre enviou relatórios e solicitações para a Holanda cobrando, tanto da Companhia das Índias Ocidentais como dos Estados Gerais, meios para que se mantivessem e se ampliassem as conquistas neerlandesas no Brasil. Alertava sobre o péssimo gerenciamento dos depósitos de alimentos, armas e munições o que provocava a falta desses suprimentos. Reclamava principalmente da lentidão nas decisões do Conselho Político do Recife e na ganância pessoal dos dirigentes da WIC no Brasil. Para ele a solução seria nomear um comandante supremo, com experiência militar e política.

Em dezembro de 1638 a WIC envia da Holanda uma flotilha de sete navios com 1.200 homens sob o comando de Krzysztof Arciszewski no posto de general de artilharia. A expedição chega ao Recife em 20 de março de 1639 e aí começam os atritos entre o polonês e o Conde de Nassau.

Sem reconhecer a autoridade de Arciszewski, Nassau dissolve a tropa recém-chegada, distribuindo seu efetivo entre o contingente local. Nassau também toma conhecimento de uma carta que o polaco intencionava mandar para o burgomestre de Amsterdam, Albert Koenraats van der Borg, com várias denúncias sobre a administração de Nassau. Este convoca o Alto Conselho para que decidam sobre quem ficaria no comando: ele ou Arciszewski. O Conselho manda o polonês de volta para a Holanda, de onde ele não mais voltaria ao Brasil holandês.

Em agosto Arciszewski entrega um documento aos Estados Gerais denominado Apologie onde contesta as acusações que lhe foram imputadas pelo Alto e Secreto Conselho do Recife. Ele permaneceria na Holanda até 1646 quando partiu para a Polônia, onde viveu até sua morte em 1656 na cidade de Gdansk. 

Foi uma das mais importantes figuras do Brasil holandês, apesar de pouco conhecido na história daquele período.