sábado, 7 de setembro de 2019

O Cabo de Santo Agostinho

Com a invasão de Pernambuco pela expedição da Companhia das Índias Ocidentais em fevereiro de 1630, Portugal teve bloqueado o mais importante porto marítimo brasileiro para a exportação do açúcar, o Recife. Além do principal produto da colônia, havia o envio de fumo, pau-brasil e de outras madeiras nobres para a Portugal, sem contar com uma infinidade de mercadorias que chegavam da Europa para o Brasil através do porto do Recife.

A alternativa mais próxima foi a utilização do porto de Nazaré no Cabo de Santo Agostinho, distante cerca de 40 km ao sul do Recife. Mesmo assim, o acesso a esse ponto era muito dificultado pelo bloqueio naval imposto pelos invasores.

O Cabo de Santo Agostinho apesar de conhecido pelos navegantes de há muito, foi documentado em 26 de janeiro de 1500 pela expedição do espanhol Vicente Yáñez Pinzón que ancorou na enseada de Nazaré. A denominação do cabo foi dada por Américo Vespúcio, que esteve no local em 1501. Apesar de não ter grandes altitudes, o relevo do local se destacava das terras ao redor facilitando sua localização desde o oceano. Implantadas as capitanias hereditárias em 1534, o local estava contido na capitania de Pernambuco, de Duarte Coelho. No entanto, a colonização só foi implementada quase trinta anos depois por Duarte Coelho de Albuquerque, filho do primeiro donatário e seu sucessor na capitania. Ele expulsou os índios Caetés e distribuiu sesmarias onde foram plantadas lavouras de cana de açúcar e construídos engenhos por toda de região de Nazaré do Cabo.

Em 1627 alguns iates neerlandeses apresaram navios portugueses ao largo do Cabo. As pilhagens continuaram ano seguinte e outras naus de Portugal transportando açúcar, pau-brasil e tabaco foram tomadas pelos neerlandeses no litoral do Cabo de Santo Agostinho. Após a conquista de Olinda e do Recife em 1630 o Conde de Bagnuolo, designado comandante das tropas em Pernambuco e Matias de Albuquerque determinam a instalação de duas baterias na enseada de Calhetas, ao norte do porto de Nazaré, no final de 1631.

Já em março de 1632 os homens da Companhia das Índias Ocidentais em dezoito navios sob comando do tenente-coronel Steyn Callenfels tentavam conquistar o porto desembarcando em Calhetas e atacando as baterias de Nazaré. As tropas da WIC são rechaçadas pela guarnição do fortim e voltam para o Recife. Visando melhorar a defesa do porto os portugueses constroem outro forte mais ao sul, também denominado Forte de Nazaré.

Dois anos depois da primeira tentativa os holandeses atacam o Cabo de Santo Agostinho novamente com um desembarque na praia de Itapuama, bem mais ao norte do porto, mesmo assim sem sucesso. No dia seguinte, 05 de março de 1634, outros barcos da WIC penetram pela barra do porto do Cabo e fundeiam próximo à povoação do Pontal de Nazaré, desembarcando suas tropas, inclusive Domingos Calabar. Os locais queimam as casas e armazéns, mas os holandeses ainda tomam 1.300 caixas de açúcar e grande quantidade de pau-brasil. Em 06 de março Matias de Albuquerque traz tropas do Arraial do Bom Jesus para combater os invasores e no dia seguinte conseguem retomar algumas posições, mas são vencidas com a ajuda da artilharia dos navios ancorados no litoral.

No dia 08 de junho de 1635 cai o Arraial do Bom Jesus, a última e mais importante fortificação luso-brasileira no entorno do Recife. Alguns dias depois o coronel Chrestofle Arciszewski parte do Arraial com suas tropas em direção ao Cabo de Santo Agostinho. Em 02 de julho o restante da guarnição do Forte de Nazaré rende-se aos comandados de Arciszewski. A maioria dos defensores havia partido acompanhando a coluna chefiada por Matias de Albuquerque com destino às Alagoas. Os portugueses não tem mais nenhum bom porto em Pernambuco para enviar mercadorias ou receber tropas, armas e suprimentos para combater os invasores.

Somente com a chamada Insurreição Pernambucana a partir de 1645 é que as tropas luso-brasileiras retomam o Forte de Nazaré. Em 03 de setembro o capitão Van Hoogstraeten, com a participação do coronel Casper van der Ley e Albert Gerritsz Wedda entregam a fortificação a troco de 6 mil cruzados, supostamente para pagamento do soldo atrasado da guarnição.

Um dos objetivos do efetivo neerlandês que participou da primeira batalha dos Montes Guararapes em 18 de abril de 1648 era retomar a Muribeca e o Cabo de Santo Agostinho para interromper o fluxo de suprimentos para os insurretos, já que o Recife continuava nas mãos dos neerlandeses, que ainda tinham o domínio de boa parte do litoral nordestino.

A importância do Cabo de Santo Agostinho e do seu porto ainda estão presentes em Pernambuco, haja vista a implantação do Porto de Suape, um pouco ao sul dos locais mencionados no texto acima, sancionado em 1978 pelo governo pernambucano. É o quinto maior porto brasileiro e em seu entorno instalou-se um complexo industrial.

terça-feira, 19 de março de 2019

Visita aos Arrecifes

O engenheiro francês Louis-Léger Vauthier vem para o Recife em 1840 a convite do então Barão da Boa Vista, Francisco do Rego Barros, presidente da província de Pernambuco, para implementar obras no Recife e nas localidades vizinhas. Foi responsável pelo projeto e construção do Teatro de Santa Isabel, a ponte pênsil da Caxangá, projeto para distribuição de água potável e tratamento de águas servidas no Recife, do levantamento da planta da cidade, além de um mapa topográfico da província de Pernambuco.

Tendo partido do porto de Le Havre, França,  em 24 de julho de 1840, chegou ao Recife em 8 de setembro. No dia 7 de outubro o engenheiro Vauthier faz um passeio pelos arrecifes, assim descrito por ele em seu diário:

Visitei esta manhã o pequeno farol do Recife e o próprio recife. Fiz essa excursão num escaler¹ do Arsenal de Marinha, acompanhado pelo inspetor e pelo fiel² Acates.

Partimos às seis horas. Visitamos primeiro o farol – construído sem gosto e de forma pouco racional. Muito malconservado, data de 1817. Seu sistema de iluminação é constituído de 21 refletores parabólico, reunidos em três fileiras horizontais, sobre as três faces de um tronco de pirâmide triangular equilátera. Os sete refletores correspondentes a uma das faces tem do lado esquerdo vidros vermelhos. Os refletores de cada face são paralelos ao mesmo eixo e a luz é rotatória, movida de modo primitivo. O farol tem três luzes – duas brancas e uma vermelha.

Depois disso, percorri o recife. Em vários pontos, o mar agitado passava por cima da cadeia de rochedos. Desembarquei duas vezes, a princípio só com Monsieur Boulitreau³, depois uma segunda vez com o inspetor e alguns marinheiros. Da última vez, demos uns 400 passos pelo recife que, nessa parte, forma uma espécie da calçada lisa em sua superfície geral e tem cerca de 30 metros de largura. A massa do rochedo é de um grés4 fortemente aglutinado e muito fino. Em alguns lugares a superfície é irregular, em certos pontos, coberta de escassa vegetação marinha de textura mucilaginosa; em outros, há pequenas conchas – de forma especial, muito comuns nas costas da Bretanha – presas fortemente ao rochedo em que vivem.

Extraído do livro Pontes e Ideias de Claudia Poncioni, CEPE Editora

1 – escaler é um pequeno barco, ou bote, que serve para transporte de passageiros e/ou carga entre um navio e a praia ou porto e vice-versa.
2 – fiel é um antigo cargo da Intendência da Marinha.
3 – Pierre-Victor Bolitreau foi um engenheiro francês que veio com Vauthier para o Recife, tendo sido responsável por diversas obras. Depois tornou-se proprietário de um engenho de açúcar no Cabo de Santo Agostinho. Faleceu em 1882 no engenho São João.
4 – grés ou arenito é uma rocha sedimentar composta de grãos de areia unidos por material silicoso ou calcário.

sábado, 9 de março de 2019

A Ilha de Itamaracá


Itamaracá, 40 km ao norte do Recife, está registrada no início da história do Brasil, sendo colonizada a partir de 1516 pela construção do primeiro engenho de açúcar da América Portuguesa. Pero Capico, chegado na expedição de Cristovão Jaques, havia sido designado como capitão do litoral brasileiro pelo Alvará Régio de D. Manuel I. Outros portugueses teriam chegado à Ilha de Itamaracá por acaso devido a naufrágios na costa pernambucana.

O nome Itamaracá vem do Tupi-guarani e significa pedra que canta.  

O primeiro núcleo urbano da ilha estava localizado no alto de um lugar elevado, característica da colonização lusitana. Era a Vila de Nossa Senhora da Conceição, depois Vila Velha, na parte sul de Itamaracá e onde estava instalada a capela de Nossa Senhora da Conceição, que existe até hoje.

Em 1631 as tropas da WIC chegam até a ilha e constroem uma fortificação na extremidade sudeste de Itamaracá para controlar a entrada do Canal de Santa Cruz, que separa a ilha do continente, o Forte Orange, denominação em homenagem à Casa de Orange, da família real holandesa.

Apenas em 1633 os neerlandeses tomam a Vila Velha, denominando-a então de Vila Schkoppe, nome do comandante, o alemão Sigmund von Schkoppe. O Forte Orange é reforçado com artilharia.

Vários combates tiveram lugar na Ilha de Itamaracá, tendo sido aventada a possibilidade de transferência da capital do domínio neerlandês para aquele local devido à abundância de água potável e madeira. Da ilha partem ataques contra Igarassú e Goiana.

Em setembro de 1645, em prosseguimento à Insurreição Pernambucana, os luso-brasileiros atacam Itamaracá, mas são contidos pelos homens da WIC no local e por reforços vindos do Recife. Os insurretos recuam para Igarassu e depois seguem para a Várzea. Em abril de 1646 outra tentativa de expulsar os neerlandeses é fracassada, com muitas baixas nos insurretos. Em junho do mesmo ano os luso-brasileiros conseguem desembarcar 2.000 homens na ilha. Os holandeses abandonam a Vila Schkoppe e concentram-se no Forte Orange. Em julho, os invasores recebem reforços no Recife vindos da Europa e os insurretos abandonam Itamaracá temendo ataque pelos holandeses. Destroem as fortificações e levam os armamentos.

Em janeiro de 1654 os neerlandeses rendem-se no Recife, assinando um tratado em que devolviam todos os locais conquistados no Brasil.

O distrito de Itamaracá foi criado em 1866, tornando-se cidade em 1959, quando foi desmembrada de Igarassu.

quarta-feira, 6 de março de 2019

As Alagoas


Os registros históricos das terras das chamadas Alagoas vem de antes do descobrimento oficial do Brasil em 1500. As costas da região entre o Rio Una e o Rio São Francisco eram acessadas por navegantes europeus que mantinham contato com os índios Caetés em busca do pau brasil. O nome Alagoas era originário das duas lagoas costeiras que existem a meio caminho entre os dois rios citados antes. Chamam-se Mundaú e Manguaba, ricas em peixes e frutos do mar, inclusive o famoso sururu.

Com a implantação do sistema de Capitanias Hereditárias a região das Alagoas fazia parte da Capitania de Pernambuco, do donatário Duarte Coelho Pereira. A colonização teve início com a fundação de Penedo, cerca de 30 km do litoral, na margem esquerda do São Francisco. A região começou a produzir cana de açúcar e surgiram diversos engenhos. Também foram implantados currais de gado e lavouras de fumo. Quase tudo era levado para Olinda, Recife e arredores. Também importante foi a região de Porto Calvo, na zona da mata norte, com engenhos de açúcar, e que servia de pouso para viajantes com destino ao Rio São Francisco. No litoral, próximo às duas lagoas, estavam os portos de Jaraguá e do Francês.

Um fato que marcou Alagoas no século XVI foi a morte do bispo D. Pero Fernandes Sardinha em 1556. O navio em que o primeiro bispo do Brasil seguia de Salvador para Portugal naufragou no litoral da atual cidade de Coruripe e tendo conseguido chegar à praia, foi preso e depois devorado pelos índios Caetés. Em retaliação, os portugueses enviaram uma expedição sob comando de Jerônimo de Albuquerque que exterminou grande número dos indígenas daquela tribo.

Seguindo a invasão neerlandesa de 1630 o território alagoano foi palco de muitas lutas que destruíram plantações e engenhos de açúcar. Os principais focos das contendas foram Porto Calvo e Penedo, que trocaram de mão várias vezes. Os holandeses construíram fortes nas duas vilas e os luso-brasileiros foram empurrados para além do Rio São Francisco, tendo os homens da Companhia das Índias Ocidentais chegado até localidades de Serigipe d’El-Rey, hoje Sergipe, na margem oposta do grande rio.

Chegando a Penedo em 1637, o Conde Maurício de Nassau enxergava na região um grande potencial para a agricultura e pecuária, tendo escrito ao Príncipe de Orange, Frederik Hendrik, pedindo recursos humanos e materiais para colonizar aquelas localidades.

No século XVII nas terras das Alagoas também surgiu o Quilombo dos Palmares, na Serra da Barriga, hoje União dos Palmares. Reunia negros escravos fugidos de diversas localidades do Nordeste e que se organizaram em uma sociedade que cultivava diversas lavouras, além de praticar a caça, pesca e o artesanato, que trocavam por outros produtos com as comunidades vizinhas. Após um século de resistência aos ataques externos o Palmares foi conquistado em 1696 pelo bandeirante Domingos Jorge Velho, que matou o último chefe dos quilombolas, Zumbi. Sua cabeça foi levada ao Recife e exposta no Pátio do Carmo como exemplo de punição aos escravos.

A comarca de Alagoas foi criada pelo Ato Régio de 09 de outubro de 1710, sendo instalada no ano seguinte. Em 16 de setembro de 1817 ela foi desmembrada da capitania de Pernambuco em retaliação da Coroa pela Revolução Pernambucana daquele ano.