terça-feira, 2 de janeiro de 2024

As Memórias de Arciszewski

Minha sugestão é que o Rio Grande deve ser ocupado por não menos de 200 homens. No Rio Mamanguape deve ser construído um forte para uma guarnição de 100 homens pois lá é o local ideal para que o inimigo desembarque seus marinheiros, bem no meio de nossas províncias, sendo bem próximo à Traição o que seria imensamente prejudicial à Paraíba, que fica bem próxima, caso o inimigo nos ataque de surpresa nessa região.

Na Paraíba e nos três fortes que lá estão, eu julgo serem necessários 600 homens. Na Ilha de Itamaracá e em Goiana, ao menos 300 homens. No Recife e nos fortes ao seu redor, destruindo o Afogados e outras fortificações inúteis, 700 homens. No Cabo de Santo Agostinho, eu gostaria que tudo fosse destruído, não mantendo mais do que um forte dominando o porto. Mas como as pessoas não tem vontade nem meios de construir, deve ser mantido o forte Gijsselingh que lá já existe, tal como está, com uma guarnição de 150 homens.

Com o tempo, não se deve fazer muito com o forte de Porto Calvo, recém conquistado, pois naquele mesmo lugar, tal como atualmente se localiza, não pode ser socorrido, a não ser quando se é senhor do campo. Caso o inimigo chegue com grande força na região, como nós fizemos, ficará perdido e isolado, juntamente com toda a artilharia. Será muito melhor que seja demolido e que Sua Excelência erga um forte próximo ao porto, na praia com uma guarnição de 150 homens: essa poderá, ao menos, ser socorrida pelo mar.

No porto Francês ou na sua vizinhança, para manter livre as Alagoas, Sua Excelência deve construir um forte para guarnição de 100 homens. No Rio São Francisco existem dois lugares que oferecem possibilidade de entrada e neles devem ser construídos dois fortes, cada um com 150 homens de guarnição. E isso é o mínimo que Sua Excelência deve fazer para defender o Rio São Francisco, e também deve ter, ao menos, um exército móvel com cerca de 400 homens. Tudo isso junto, forma um total de 3 mil homens. O resto das tropas Sua Excelência pode dirigir sem preocupação para fora do Rio São Francisco, pois acredita-se que fora dele não esteja mais ocupado, e assim pilhar a região e buscar conseguir a manutenção e o butim para a soldadesca. Mas sempre devem ser estar preparados para retornar a Pernambuco, caso cheguem informações de que o inimigo se aproxima pelo mar. Nesse interim, deve se pensar estratégias e tomar medidas para se atacar a Bahia.

 

Trecho final das Memórias de Krzysztof Arciszewski, oficial polonês que esteve a serviço da WIC no Brasil holandês desde o início da invasão. Em 1637 volta à Europa e deixa para o Conde de Nassau um documento onde relata a situação da conquista e providencias a serem tomadas para a correta manutenção e expansão do território ocupado no Nordeste do Brasil.

Fonte: As Memórias de Krzysztof Arciszewski. Um polonês a serviço da Companhia das Índias Ocidentais no Brasil. Miranda, B.R.F. & Xavier, L.F.W. – CEPE, 2022 

quinta-feira, 7 de setembro de 2023

A Cidade dos Rios e das Pontes V

Nos limites da cidade pelo lado oeste foi erguida uma ponte para atravessar o Rio Capibaribe, em prosseguimento à Av. Caxangá, antiga Estrada do Paudalho, via com 6,2 km que liga o bairro da Madalena à Camaragibe.

Seu projeto também foi do engenheiro francês Louis Léger Vauthier, que veio com outros técnicos europeus ao Recife em 1840, por convite do Conde da Boa Vista, para promover a construção de vários prédios públicos como o Teatro Santa Isabel e o Mercado de São José.

A Ponte da Caxangá foi a primeira ponte pênsil (sustentada por cabos) do Brasil, tendo suas obras iniciadas em 1842 e finalizadas em 1845. Em 1869 a ponte foi destruída por uma enchente do Capibaribe, sendo reconstruída em 1871 com uma estrutura de ferro.

Essa ponte tinha o objetivo de melhorar o transporte de açúcar da Zona da Mata oeste para o Porto do Recife.

segunda-feira, 14 de agosto de 2023

A Cidade dos Rios e das Pontes IV

A ponte mais ao norte do Recife liga a região do porto, no bairro do Brum, ao bairro de Santo Amaro, através do Rio Beberibe, que vem de Olinda se juntar ao Rio Capibaribe antes de desaguar no Atlântico. Denominada Ponte do Limoeiro, originalmente era uma ponte férrea de 1881 que suportava apenas a linha da Great Western que demandava à cidade de Limoeiro, no agreste de Pernambuco.

Essa ponte foi desativada e outra em concreto foi inaugurada em 30 de julho de 1966 construída pela empresa Christian Nielsen.

A antiga estação do Brum, ponto de partida do trem, ainda existe e atualmente é o Memorial de Justiça de Pernambuco. Participaram do projeto de restauração do prédio os arquitetos Hélio Moreira, José Luiz da Mota Menezes, Luciana de Vasconcelos Menezes e Cristina Nery, o desenhista Ademilson Mendes da Silva, e o artista plástico Jobson Figueiredo, que fez a recuperação das peças e estruturas em metais.

No extremo norte da Ilha de Antônio Vaz, no lado oeste, a Ponte Princesa Isabel liga aquela ilha na altura do Teatro de Santa Isabel ao continente, pela Rua Princesa Isabel. É a última ponte do Rio Capibaribe pela região norte do Recife.

Inaugurada em 02 de dezembro de 1863, projeto do engenheiro francês Louis Léger Vauthier, foi construída em ferro sob supervisão do engenheiro inglês William Martineau. Foi a primeira ponte metálica da cidade.

Essa ponte foi reconstruída em 1913 e reformada em 1967 por ter sido danificada pelas enchentes do Rio Capibaribe que ocorreram nos dois anos anteriores.

Segundo alguns documentos, o nome oficial seria Ponte Santa Isabel, enquanto outros a denominam Ponte Pedro II, Imperador do Brasil à época da inauguração.

Outra ponte marcante da paisagem do centro do Recife é a Ponte da Boa Vista. Foi construída em 1815 pelo engenheiro Antônio Bernardino Pereira do Lago, que utilizou gradis de ferro e calçamento de seixos, além de bancos. 

Em 1874, sob projeto do engenheiro Francisco Pereira Passos, foi reconstruída, como a ponte atual em ferro batido importado da Inglaterra. A ponte sofreu muitas avarias nas enchentes do Rio Capibaribe que castigaram o Recife na década de 1960. Possui quatro pilastras metálicas, duas de cada lado do rio, onde estão assinalados importantes episódios da história de Pernambuco.

segunda-feira, 7 de agosto de 2023

A Cidade dos Rios e das Pontes III

Para consolidar sua presença no Recife, Maurício de Nassau constrói sua residência oficial na chamada Ilha dos Navios,  Ilha de Santo Antônio,  ou Ilha de Antônio Vaz, que era o antigo Porteiro da Alfândega de Pernambuco e Juiz de Peso do pau brasil e tinha a melhor casa da região no início do século XVII.

O Palácio das Torres, erguido por Nassau, foi inaugurado em 1644 e tornou-se a edificação mais importante de todo norte e nordeste do Brasil. Até o século XIX a única ligação entre o Recife (a região do porto) e a Ilha de Antônio Vaz era a Ponte de Nassau, mais ao sul. Só em 1845 foi construída, mais ao norte, uma ponte de madeira, chamada Ponte Provisória, que ia do Cais do Apolo à Praça da República, onde outrora havia o palácio de Nassau. A ponte também servia para suportar os canos d’água da Companhia do Beberibe que levavam água para o Recife.

Em 1882 foi iniciada a construção da ponte definitiva, com 288 m de extensão, por iniciativa do ministro Manoel Buarque de Macedo e projeto do engenheiro Alfredo Lisboa. A ponte, que ficou denominada Buarque de Macedo, foi inaugurada em 20 de janeiro de 1890, tendo sofrido reformas em 1922. É a ponte mais extensa do centro do Recife.

A terceira ponte que liga o Recife à Ilha de Santo Antônio é a antiga Ponte Giratória, na região do bairro de São José. Sua construção foi iniciada em 1920 no âmbito da ampliação do porto do Recife e inaugurada no final de 1923. Era uma ponte rodoferroviária que girava sua seção central sobre um pivô e permitia a passagem de embarcações indo e vindo do Rio Capibaribe na região da Alfandega.

Essa ponte funcionou até 1970 quando se iniciou sua desmontagem e substituição por uma ponte de concreto que foi inaugurada em 1973 com o nome de !2 de setembro, em homenagem ao dia em que iniciaram-se as obras de reforma do porto em 1918. Da antiga ponte restaram os pilares que podem ser vistos ainda hoje. 

segunda-feira, 1 de maio de 2023

A Cidade dos Rios e das Pontes II

Nos dias de hoje, a ponte mais exibida do Recife é a Ponte Duarte Coelho. Com o nome do primeiro donatário da capitania de Pernambuco, ela foi inaugurada em 1868, toda em estrutura metálica para atender ao transporte ferroviário local pela Brazilian Company Limited.

Também era conhecida como Ponte da Maxambomba, nome popular dos bondes com tração a vapor, cuja denominação inglesa era machine pulp. Foi o primeiro trem urbano da América Latina, com a linha inaugurada em 1867.

Em 1943 foi inaugurada uma nova ponte em concreto armado para substituir a ponte original, que havia sido desativada em 1915 por conta do desgaste da estrutura.

Desde 1995 a Ponte Duarte Coelho serve como local de instalação do galo gigante, representação material do Galo da Madrugada, o maior bloco de carnaval do mundo. Todo ano, uma figura com 30 metros de altura é erguida no meio da ponte na semana pré-carnavalesca, sendo as imagens feitas pelos meios de comunicação e pelo povo transmitidas para o mundo inteiro.

A ponte liga a Av. Conde da Boa Vista à Av. Guararapes, duas das mais importantes vias da cidade, através do Rio Capibaribe no centro do Recife. Tem uma extensão de 135 metros.

domingo, 23 de abril de 2023

A Cidade dos Rios e das Pontes

 

Situada em uma planície espremida entre o Rio Capibaribe, Rio Beberibe, o Atlântico e os arrecifes, o Recife foi sendo tomado ao mar e aos mangues através de aterros iniciados pelos neerlandeses quando de sua permanência no Nordeste brasileiro entre 1630 e 1654.

Inicialmente o acesso entre as ilhotas, o arrecife e o continente era feito por embarcações de diversos tipos, inclusive a jangada, já utilizada pelos indígenas quando da chegada dos primeiros europeus no século XVI.

Com o aumento das atividades comerciais e mesmo das operações militares foi sendo necessário o transporte de grandes quantidades de materiais diversos, além de muitas pessoas, e somente os barcos não eram mais suficientes. Foi necessária a construção de acessos fixos que não ficassem à mercê das marés e dos ventos.

A primeira ponte de grandes proporções foi pensada por Maurício de Nassau para ligar o Recife à Ilha de Antônio Vaz - Mauritstad e foi inaugurada, depois de algumas dificuldades técnicas, em 28 de fevereiro 1644, mas desde os primeiros dias da invasão os comandantes holandeses viam a necessidade de uma ponte que ligasse a região do porto à terra firme. A ponte, hoje denominada Maurício de Nassau, foi construída com 15 pilares de pedra e 10 de madeira, numa extensão de 318 m. Houve, inclusive, o evento do boi voador ou boi de Belchior Alvares, quando Nassau teria feito uma encenação com um animal empalhado pendurado em cordas, para atrair o povo para a inauguração da ponte.

Essa ponte foi reformada em 1742 e demolida em 1862, sendo substituída por uma ponte de ferro em 1865. Não suportando a ação da maresia, em 1917 foi construída a ponte atual em concreto. Tem quatro estátuas de ferro fundido, sendo duas em cada cabeceira, representando as deusas da sabedoria (Minerva), da agricultura (Ceres), do comércio (Hermes) e da justiça (Themis). No passeio do lado sul também está instalada a estátua do poeta Joaquim Cardoso.

Poucos meses depois da Maurício de Nassau foi construída uma ponte na Boa Vista. O Conde havia construído uma residência denominada Boa Vista onde hoje existe o convento e igreja do Carmo e desejava ligar o local ao continente. Foi erguida em estacas de madeira e durou até meados do século XVIII.

Entre 1909 e 1918 foi construída outra ponte no local para suportar as tubulações de água e esgoto, além de dar passagem aos automóveis. Foi inaugurada em 06 de março de 1921, em homenagem à Revolução de 1817 e teve seu nome oficial denominado Ponte 06 de Março, apesar do nome popular de Ponte Velha.

Foi reformada em 1976 sem sofrer grandes alterações nos seus aspectos principais como postes de iluminação e grades. 

domingo, 12 de fevereiro de 2023

Presidential Proclamation - Jewish American Heritage Month, 2012

                     BY THE PRESIDENT OF THE UNITED STATES OF AMERICA

A PROCLAMATION

Three hundred and fifty-eight years ago, a band of 23 Jewish refugees fled Recife, Brazil, beset by bigotry and oppression. For them, receding shores marked the end of another chapter of persecution for a people that had been tested from the moment they came together and professed their faith. Yet, they also marked a new beginning. When those men, women, and children landed in New Amsterdam - what later became New York City - they found not only safe haven, but early threads of a tradition of freedom and opportunity that would forever bind their story to the American story.

Those 23 believers led the way for millions to follow. During the next three centuries, Jews around the world set out to build new lives in America -- a land where prosperity was possible, where parents could give their children more than they had, where families would no longer fear the specter of violence or exile, but live their faith openly and honestly. Even here, Jewish Americans bore the pains of hardship and hostility; yet, through every obstacle, generations carried with them the deep conviction that a better future was within their reach. In adversity and in success, they turned to one another, renewing the tradition of community, moral purpose, and shared struggle so integral to their identity.

Their history of unbroken perseverance and their belief in tomorrow's promise offers a lesson not only to Jewish Americans, but to all Americans. Generations of Jewish Americans have brought to bear some of our country's greatest achievements and forever enriched our national life. As a product of heritage and faith, they have helped open our eyes to injustice, to people in need, and to the simple idea that we might recognize ourselves in the struggles of our fellow men and women. These principles led Jewish advocates to fight for women's equality and workers' rights, and to preach against racism from the bimah; they inspired many to lead congregants on marches to stop segregation, help forge unbreakable bonds with the State of Israel, and uphold the ideal of "tikkun olam" -- our obligation to repair the world. Jewish Americans have served heroically in battle and inspired us to pursue peace, and today, they stand as leaders in communities across our Nation.

More than 300 years after those refugees first set foot in New Amsterdam, we celebrate the enduring legacy of Jewish Americans -- of the millions who crossed the Atlantic to seek out a better life, of their children and grandchildren, and of all whose belief and dedication inspires them to achieve what their forebears could only imagine. Our country is stronger for their contributions, and this month, we commemorate the myriad ways they have enriched the American experience.

NOW, THEREFORE, I, BARACK OBAMA, President of the United States of America, by virtue of the authority vested in me by the Constitution and the laws of the United States, do hereby proclaim May 2012 as Jewish American Heritage Month. I call upon all Americans to visit www.JewishHeritageMonth.gov to learn more about the heritage and contributions of Jewish Americans and to observe this month with appropriate programs, activities, and ceremonies.

 

IN WITNESS WHEREOF, I have hereunto set my hand this second day of May, in the year two thousand twelve, and of the Independence of the United States of America the two hundred and thirty-sixth.

BARACK OBAMA



Proclamação do Presidente Barack Obama em 01 de maio de 2012 instituindo o mês de maio de 2012 como Mês da Herança Judaica Americana.
 
Neste documento da Casa Branca ele cita os 23 judeus que saíram do Recife e terminaram chegando na Nova Holanda, assentamento da WIC no nordeste norte-americano que no futuro se tornaria a cidade de Nova York.

domingo, 29 de janeiro de 2023

Torrre Malakoff

Em 1853 teve início a Guerra da Crimeia, península ao norte do Mar Negro. Em outubro daquele ano as tropas do czar russo Nicolau I invadiram territórios controlados pelos turcos otomanos. Para combater os invasores foi formada uma aliança entre o Império Otomano, França, Inglaterra e o Reino da Sardenha (atual parte da Itália). O conflito durou até março de 1856.

A principal batalha da guerra foi travada em Sebastopol, sede da marinha russa no Mar Negro. As tropas combinadas francesas, britânicas e piemontesas cercaram a cidade e após a queda do reduto de Malakoff para as tropas francesas, em 09 de setembro de 1856, a cidade de Sebastopol foi tomada.

A Torre Malakoff, situada na Praça do Arsenal, junto ao Porto do Recife, fazia parte do Arsenal da Marinha, segundo decreto provincial de 01 de janeiro de 1834, tendo sido seu projeto arquitetônico criado em 1837. Sua construção foi iniciada em 1853 com o nome de Portão Monumental e Observatório Astronômico. Na época, o Diário de Pernambuco fazia uma extensa divulgação dos combates da Guerra da Crimeia e notadamente do cerco da fortificação de Malakoff em Sebastopol. Os pernambucanos então batizaram com o nome de Torre Malakoff o prédio de 30 metros de altura, o mais alto da cidade à época, que utilizou material retirado do antigo Forte do Bom Jesus, símbolo da resistência aos invasores holandeses no século XVII.

Com a Proclamação da República em 1889, a Marinha do Brasil desativou os Arsenais do Pará, Pernambuco e Bahia, concentrando-os no Rio de Janeiro. As reformas e ampliações do Porto do Recife foram modificando os prédios do Arsenal, restando apenas a Torre Malakoff.

A torre foi ameaçada de demolição algumas vezes, sendo defendida em campanhas lideradas por Gilberto Freyre, Anibal Fernandes e Varella Quadros, além do IAGHP – Instituto Arqueológico, Geográfico e Histórico de Pernambuco.

Originalmente a torre tinha a cúpula giratória metálica que abrigava instrumentos astronômicos e abaixo ficava o relógio de fabricação inglesa com mostrador transparente. Esses equipamentos foram paulatinamente sendo desativados.

Desde o ano de 2000 a Torre Malakoff é um centro cultural com oito salas de exposição e um anfiteatro na área externa.

segunda-feira, 9 de janeiro de 2023

A Bravura do Povo de Pernambuco

A Capitania de Pernambuco foi surpreendida pela enorme esquadra neerlandesa que surgiu no litoral de Olinda no dia 12 de fevereiro de 1630. Matias de Albuquerque, neto de Duarte Coelho (primeiro donatário de Pernambuco), já havia sido alertado de que a Companhia das Índias Ocidentais – WIC, preparava uma força de invasão com destino ao Brasil, mas o tamanho da expedição, 70 navios e mais de 7.000 homens, não era  imaginado.

A pequena força defensiva luso-brasileira consegue conter os invasores por apenas um mês, e Olinda e o Recife são tomadas pelos mercenários da WIC. Os veteranos entre os militares da companhia neerlandesa tinham uma experiência de combate de décadas, pois lutavam na Europa desde a guerra de independência contra a Espanha, a Guerra dos Oitenta Anos, que teve início em meados do século XVI.

Perdidos os principais pontos de resistência e da guerrilha dos locais, tendo como ponto principal a queda do Arraial do Bom Jesus em 1635, só resta ao comandante Matias de Albuquerque levar a população que não queria ficar sob o jugo neerlandês e o restante das tropas numa jornada de 300 léguas até o Rio São Francisco, por matas e caminhos cheios de perigos naturais e inimigos.

Sem poder enfrentar os invasores de igual para igual, visto a diferença entre o poder militar neerlandês e a milícia local, composta em sua maioria de civis transformados em combatentes, os luso-brasileiros empregavam a tática de guerrilha, esperando os homens da WIC saírem de suas fortificações para embosca-los em locais ermos ou quando alguns se aventuravam em conseguir alimentos, água ou lenha. Com pouquíssimas armas de fogo, empregavam algumas poucas armas brancas e armas improvisadas, como lanças feitas de paus com as pontas endurecidos ao fogo e porretes.

O povo de Pernambuco sofreu a perseguição dos invasores desde a chegada destes a Olinda e ao Recife, seja por motivos militares, econômicos ou religiosos. Alguns poucos se aliaram aos neerlandeses em busca de ganhos materiais, mas a grandíssima maioria combateu-os de diveras formas, tanto com armas como com ações de ajuda moral e material.

Não só os homens tomaram a si a incumbência de defender a terra. Veja-se o exemplo das mulheres de Tejucupapo, local próximo ao litoral norte de Pernambuco, onde um grupo de moradoras expulsou uma tropa de holandeses que queriam aproveitar-se da ausência dos homens para levar os alimentos da povoação e foram escorraçados.

Lutando mais coordenadamente desde 1645 com a Insurreição, depois de nove anos e das batalhas do Monte das Tabocas, Casa Forte e Guararapes, os invasores neerlandeses foram vencidos e expulsos no início de 1654.  

Pela desconsideração da Coroa Portuguesa em atender às demandas dos homens da terra, principalmente no preenchimento dos principais cargos públicos da Província de Pernambuco, ocorreram diversas revoltas nos séculos XVIII e XIX que tiveram como principal justificativa a restauração do território pernambucano pelos próprios naturais da terra contra os holandeses, com pouquíssima intervenção de Portugal. Observe-se a Guerra dos Mascates (1710), Revolução de 1817, Revolta da Junta de Goiana (1821), Confederação do Equador (1824) e Revolução Praieira (1848).

Os pernambucanos viam a Coroa portuguesa como duplamente devedora aos locais: não havia cuidado da proteção da colonia proporcionando a invasão neerlandesa e fora pouco efetiva no apoio à Insurreição que retomou as capitanias do Norte à República Unida dos Países Baixos em 1654.

domingo, 18 de dezembro de 2022

Caramuru

 A oito graus do Equinócio se dilata

Pernambuco, Província deliciosa,

A pingue caça, a pesca, a fruta grata,

A madeira entre as outras mais preciosa:

O prospecto, que os olhos arrebata

Na verdura das árvores frondosa,

Faz que o erro se escuse a meu aviso,

De crer que fora um dia o Paraíso.

 

Verso LXXV do poema épico Caramuru do frei José de Santa Rita Durão, publicado em 1781.

Nascido em Cata Preta (hoje Mariana), Minas Gerais, Durão estudou no Rio de Janeiro no Colégio Jesuíta e posteriormente na Universidade de Coimbra, onde formou-se em Teologia e Filosofia. Foi professor de Teologia da mesma universidade. Perseguido pelo Marques de Pombal, viveu na Itália, Espanha e França. Voltou à Portugal após a queda de Pombal e dedicou-se ao poema Caramuru. Morreu em 1784.

quinta-feira, 2 de junho de 2022

Padre Antônio Vieira e o Incêndio de Olinda

Primeiramente diz Joel que virá sobre a terra de que fala uma gente estrangeira muita e forte: Populus multus et fortis1 -e que o seu exército entrará armado de fogo, assim na vanguarda como na retaguarda: Ante faciem ejus ignis vorans, et post eum exurens flamma2 - e que por meio destas armas e deste fogo a terra, que dantes era um jardim de delícias, ficará a solidão de um deserto: Quasi hortus voluptatis terra coram eo, et post eum solitudo deserti3.  Quem não vê em toda esta profecia a história de Pernambuco, e o que dantes era e hoje é Olinda?

Confesso que quando a vi pela primeira vez, entre a nobreza de seus edifícios, templos e torres, ornada toda nos vales, e coroada nos montes de verdes e altíssimas palmeiras, não só me pareceu digna do nome que lhe deram, e de se mandar retratada pelo mundo, mas um formoso e ameníssimo jardim, o mais agradável à vista. Assim a achou o holandês quando entrou nela: Quasi hortus voluptatis terra coram eo4. - E depois dele, como está? Et post eum solitudo deserti5: um deserto, uma solidão, uma ruína confusa, sem semelhança do que dantes era. No princípio se disse que Olinda se convertera em Holanda; mas, depois que a impiedade holandesa lhe pôs fogo, e ardeu como Tróia, nem do que tinha sido, nem do que depois era, se vê hoje mais que o cadáver informe, e uma triste sepultura sem nome, para que nela se desenganem e temam todas as do Brasil.

Depois disto descreve o profeta, com propriedade e miudeza digna de se ler devagar, o modo e disciplina militar desta gente nas marchas, nas investidas, no bater e escalar os muros, tudo cheio de circunstâncias temerosas, e ameaças de horrores. Mas a maior e mais formidável de todas é chamar-lhe exército de Deus, e mandado por ele como executor de sua ira: Et Dominus dedit vocem suam ante faciem et quisexercitus sui, quia malta sunt nimis castra ejus, quia fortia, et facientia verbum ejus: magnus enim dies Domini, et terribilis valde, et quis sustinebit eum?6

Sermão XII do padre Antônio Vieira proferido na Sé da Bahia em 1639 sobre o incêndio de Olinda, ateado pelos holandeses em 24 de novembro de 1631.

 

1. Um povo numeroso e possante

2. Diante da sua face virá um fogo devorante, e atrás dele a chama abrasadora

3. A terra, que diante dele era um jardim de delícias, depois dele ficará também sendo a solidão de um deserto

4. Como um jardim de terra de prazer diante dele

5. E depois dele um solitário deserto

6. Mas o Senhor fez ouvir a sua voz ante a face do seu exército, porque os seus arraiais são muitos em extremo, porque são fortes e executam as suas ordens; porque o dia do Senhor é grande e sobremaneira terrível e quem o poderá sofrer?

sábado, 11 de setembro de 2021

A Igreja de Nossa Senhora dos Prazeres

A fé foi uma das molas propulsoras das ações dos luso-brasileiros que enfrentavam os invasores da Companhia das Índias Ocidentais nas terras e mares do norte do Brasil. 

Os neerlandeses e seus aliados procuravam impor a religião cristã reformada, o Calvinismo, nas conquistas duramente conseguidas no Nordeste brasileiro, inclusive destruindo e saqueando igrejas católicas por todo território.

A intervenção divina foi invocada e constatada pelos combatentes em diversos episódios da chamada Guerra Brasílica, como a batalha do Monte da Tabocas através da Santa Maria e Santo Antão, mas as duas principais ações bélicas da Insurreição Pernambucana estão diretamente ligadas à intervenção divina através de Nossa Senhora dos Prazeres nos Montes Guararapes, 12 km ao sul do Recife, no município de Jaboatão.

Em 1648 a WIC recebe no Recife um reforço de 6 mil homens vindos dos Países Baixos e decide enfrentar os luso-brasileiros num embate que os destruisse por completo. O general Von Schkoppe desloca quase 5 mil combatentes com destino à Muribeca, centro abastecedor das tropas da Insurreição. Os neerlandeses são confrontados pelos pouco mais de 2 mil soldados do mestre de campo general Barreto de Menezes, no dia 19 de abril, causando mil baixas entre mortos e feridos aos mercenários da WIC que fogem de volta ao Recife.

Menos de um ano depois, 19 de fevereiro de 1649, ocorre nova batalha nos Montes Guararapes. Mais uma vitória dos Insurretos que forçam as tropas neerlandesas a uma desorganizada retirada sob encalço dos luso-brasileiros. Os invasores ficam praticamente restritos ao Recife sem mais poder de contra-atacar.

Em 1656, dois anos após a expulsão dos holandeses, é iniciada a construção de uma pequena capela em homenagem à Nossa Senhora dos Prazeres no local das batalhas para lembrar as vitórias obtidas nos Guararapes. Ocupava terras doadas pelo capitão Alexandre de Moura, proprietário do Engenho Guararapes, ao então governador de Pernambuco e mestre de campo general das tropas luso-brasileiras naquelas batalhas, Francisco Barreto de Menezes. Foi confiada aos monges beneditinos de Olinda. O termo guararapes significa em tupi “caminho das guararas”, uma ave.

Vinte anos depois o prédio da capelinha sofre uma ampliação e construção de uma sacristia. Em 1729 são concluídas a capela-mor e os altares laterais. Em 1965 o Estado de Pernambuco paga uma indenização aos monges beneditinos de Olinda e toda área dos Montes Guararapes, inclusive a Igreja de Nossa dos Prazeres é desapropriada. Em 1971 o local torna-se o Parque Histórico Nacional dos Montes Guararapes.

A igreja possui o maior conjunto de azulejos seiscentistas fora de Portugal e imagens barrocas dos séculos XVII e XVIII. É notável também a utilização de pedras cortadas dos arrecifes, principalmente na fachada do prédio.

Abriga, na capela-mor, os restos mortais de André Vidal de Negreiros e João Fernandes Vieira, que foram dos mais destacados líderes da Insurreição Pernambucana para expulsão dos holandeses, na chamada Guerra da Liberdade Divina.

Desde o século XVII é comemorada a vitória sobre os invasores em uma festa de oito dias, a partir do domingo de Páscoa. Essa festividade existe até hoje e é conhecida como Festa da Pitomba.

quarta-feira, 21 de abril de 2021

Relação de Francisco de Brito Freire

Tomou-se a resolução de intentar o Recife, vila de dois mil vizinhos, posta no areal de uma praia tão apertada, que rebatendo as ondas com fortes reparos de madeiros e navios velhos, para acrescentarem o lugar, a alargaram os holandeses, costumados a defenderem a terra contra a violencia do mar, no sitio parecido a este de seus paises. Goza de ceu benigno, saudavel, em altura de oito graus da banda do sul. Ao sul tem a cidade Mauricea mais como bairro apartado que como povoação diferente, por compreender-se no Recife, cabeça do governo e do comercio; distante so enquanto faz caminho ao Rio Beberibe, que vadeia uma hermosa ponte, pela qual (levantando o assento de madeira) passam navios a ancorarem e a dar fundo.

O Beberibe que corre a vila de setentrião ao meio dia, se aparta aqui em dois braços, com um girando em torno de Mauricea a deixa ilha; com outro prosseguindo junto ao Recife, entra ao levante no oceano que o lava por esta parte, onde se estende estreito e dilatado, o recife de pedra que lhe da nome, descobrisse nalguns lugares, noutros quebram neles as aguas, entre o qual e a vila, fica abrigo e surgidouro para muitas embarcações, com barra dificultosa as de alto bordo. So ao norte continua com a terra firme por uma ligua de areia que se alarga menos de quarenta passos do rio ao mar.

 Às grandes comodidades de sitio, igualam as defensas da arte. Dividem-se por todas as partes dezoito fortes guarnecidos de muita artilharia e obrados com perfeição, nos postos mais comuns fora da praça. Ve-se esta coberta de trincheiras, diques, e plataformas ao moderno: torres e casas fabricadas tão curiosamente que mostram bem o vagar de vinte e quatro anos que a edificarão os holandeses, criando a outra patria com casais, familias e judeus moradores.


Parte do documento de 29 de janeiro de 1654 enviado ao Rei D. João IV e redigido pelo Capitão Geral da esquadra da Companhia de Comércio do Brasil que chegou ao Recife em dezembro de 1653 para sitiar a cidade por mar e permitir o assalto final às tropas da WIC.